quinta-feira, dezembro 25, 2008
A arte de viver
Em meio à tanta vaidade, egoísmo, falta de tempo e interesse do homem em se relacionar com seus semelhantes, é sempre um alívio aprender com eles. Eles, os que primeiro amam, incondicionalmente, e só depois pensam em suas necessidades. Eles, os cachorros. Os nossos cachorros. Para quem quiser começar o ano bem, com esperança e beleza, é só procurar esse livro, "A arte de correr na chuva". A história de um piloto de automobilismo, sua família amada e seu cão mais que fiel é contada pelo próprio ser de quatro patas, o sábio Enzo, um bicho meio filósofo meio criança. O bacana do livro é também as analogias que o cão e seu dono, o piloto Derek - fã do maior piloto de todos os tempos, o nosso Ayrton Senna - fazem entre as corridas e a vida. Curtam abaixo o trailer do livro e levem esse livro pras férias.
Feliz Natal a todos os que enxergam os outros.
PS - Curtam no cineminha, à esquerda ao alto, a arte do mito Senna na chuva.
segunda-feira, dezembro 22, 2008
O Herói da LDU
Não me apaixona um time que conquista o mundo e não dá a mínima para isso, talvez porque o Mundial dê muito menos dinheiro do que a Champions League ou o Campeonato Inglês. Não me encanta um super astro que joga muito (mas bem menos que o verdadeiro melhor do mundo, Lionel Messi) mas que é arrogante dentro e fora de campo e ainda ostenta aquele sorrisinho besta a cada falta que acha que sofreu.
Os verdadeiros heróis para mim foram os homens que colocaram a pequena LDU no mapa mundi da bola. Depois da épica conquista da Libertadores em pleno Maracanã, contra o Fluminense, primeiro troféu internacional de uma equipe do Equador em toda a história, Cevallos, Mansio, Bolaños e cia venderam caro a derrota para o super time inglês. Sim, perderam, mas o que ficará de mais bonito nesta final para mim não será a jogada envolvente que resultou no gol de Rooney. Será a imagem do goleiro Cevallos imobilizado junto da trave do gol que defendia, do gol que não conseguiu defender do chute mortal de Rooney. Só, com sua dor, Cevallos ficou minutos encostado à trave. Os minutos que simbolizaram o fim do seu sonho mais bonito. Do sonho mais bonito não só dele mas de todo um país para quem o futebol é uma das poucas alegrias. Assim é em todo país sul-americano pobre.
As lágrimas de Cevallos são também as lágrimas de quem ama o futebol, de quem faz daquele palco verde uma razão de sentir, existir e sonhar.
Cevallos venceu o destino mesmo já um veterano, quando superou os críticos que o davam como acabado e velho antes da Libertadores deste ano para ser o grande herói na conquista da América, pegando três pênaltis naquela final. Hoje ele fez um verdadeiro milagre numa cabeçada de cima para baixo de Tevez e fechava o gol até o chute mortal de Rooney. Era o fim. Espero que no gol, o comentarista da ESPN Brasil, não tenha dito a mesma maldade que disse logo no começo da partida. Após fazer aquela defesaça testada de Tévez, o comentarista disse que ele “não é um mal goleiro”. Poucas frases poderiam ser mais depreciativas como essa. Falta a esses homens da TV que babam o ovo em qualquer jogadorzinho que atue no milionário futebol europeu a humildade, decência e espelho de olharem com respeito para os pequenos grandes jogadores do mundo fora da Europa. Cevallos é sim um grande goleiro, o mais importante da história em seu país. Um dos mais heróicos e inacreditáveis da história do torneio mais duro do mundo, a Libertadores. Por isso suas lágrimas emocionaram quem ainda ama o futebol. Quem ainda acredita que a fórmula milhões + craques sem pátria ainda podem perder para a raça e amor dos pequenos.
quinta-feira, dezembro 18, 2008
Salvadores do Futebol
O show começa logo nas primeiras articulações de duas peças-chave: o jovem craque Pablo Barrientos, justíssima camisa 10 nas costas e alma e o líder Solari. Se o goleiro rival impede o 1 a 0 com uma defesa incrível após uma cabeçada, ela falhará pouco depois. Se o primeiro gol do San Lorenzo não será bonito, a jogada será. Aureliano e Solari tabelam pela esquerda, até a ultrapassagem de Solari, que ilude um marcador, em bela finta, e tem clareza e liberdade para cruzar. Islas solta a bola e o pibe da camisa 10 não perdoa, 1 a 0. Poucos minutos depois esses salvadores do futebol, os artistas-guerreiros de Almagro (quantos ainda praticam o futebol arte hoje?) seguem impondo sua escola e marca histórica de toque de bola. Impõem seu jogo de equipe que permite pequenas explosões individuais. Ocupam cada espaço e pressionam o adversário como um sonho que prende a atenção e paralisa quem está sonhando, na verdade, tendo um pesadelo, pobre Tigre. Assim cresce a música de Almagro, numa melodia de belas jogadas que vão ganhando intensidade e ao mesmo tempo emitindo pequenos solos maravilhosos de jogadores que escapam pelas laterais do campo em alta velocidade e habilidade.
Mais rápido e artístico é o menino craque, Barrientos, que recebe pela direita e pulveriza o marcador com uma finta e drible que orgulharia não só Maradona mas como o próprio deus do drible, Garrincha. El pibe mágico avança, levanta a cabeça e faz um cruzamento que só os grandes são capazes de fazer. Enquanto 9 entre 10 jogadores iria apenas mandar a bola para a área, o garoto dá um tapa forte na bola, dá um passe para a entrada da área. Ali ele percebeu a chegada de um companheiro, numa zona perigosíssima para o adversário: a entrada da área. Como o garotinho que joga um Jorgito (alfajor) para seu melhor amigo, Barrientos serve o matador Bergessio com açúcar. E como Bergessio também honra um clube que é arte pura, ele vai pegar a bola no ar e bater com precisão de pintor a dar o último e vigoroso toque numa obra de arte: coloca com força, de primeira, golaço, San Lorenzo, 2 a 0.
Depois foi só cozinhar a bola e se poupar numa infernal tarde de 36 graus para esperar o jogo acabar. Porque domingo é o dia da verdade contra o Boca. Pena que podiam ter goleado e acabaram até tomando um golzinho do Tigre. Mas domingo (18 e 30, ao vivo na Sportv, não percam!) é o dia da glória do fabuloso futebol do San Lorenzo!
(Texto dedicado a minha ex-aluna e artista de contos encantados, Gabriela Dorado, que está lá, morando em Almagro, e torcendo muito pelo San Lorenzo, clube da sua família, que aprendeu a amar. E essa história tem que acabar domingo, pois dia 23 ela volta ao Brasil).
terça-feira, dezembro 16, 2008
A última chama dos anos 80
Quantos estão acordados logo cedo realmente observando de corpo e alma preparados e dispostos nesses tempos de baladas que começam de madrugada e varam a manhã?
Quantos sentem o sol a nascer de cara limpa, sem falsas viagens?
Quantos se entregam à noite para se divertir e sentir mais (nas sombras encontramos a luz das pessoas que não se escondem) sem precisar de balinhas, ervas e outros aditivos?
Quantos percebem mais um dia que se esvai enquanto dão o sangue no trabalho ou viram a tarde largados, desperdiçando mais uma jornada?
Lembro de minha adolescência carioca e do dia em que descobri o pôr-do-sol de Ipanema e aquela galera reunida batendo palmas. Isso ainda existe, meu caro amigo, Deko?
Adolescência carioca? Não, não morei no Rio, mas todo ano íamos em um bando de amigos da escola pra curtir o feriadão de outubro e novembro no Rio. E aqueles feriados valiam como anos, porque pertencíamos talvez à última geração que ainda saudava a vida, a dos anos 80. Os 80 não tão culturais, rebeldes e libertários como os 60 e 70, mas que foram tempos tão alegres, espontâneos e também ricos (Cazuza, Lobão, Blitz, Paralamas, Legião; Flamengo de Leandro, Júnior, Adílio, Nunes e Zico; Corinthians de Biro-Biro, Sócrates, Zenon, Casagrande e Vicente Matheus; Brasil de Telê e um monte de gênios; São Paulo de Careca, Muller e Silas; povo nas ruas pelas Diretas Já, abertura pela democracia etc etc).
Porque a gente valorizava demais a aurora e o crepúsculo. Porque a gente fazia festinha na casa dos amigos toda semana, porque a gente morava em casas, porque a gente namorava firme (mas “dançava” nos bailinhos com todas); porque a gente viajava junto, dez, vinte de cada turma da escola; porque a gente tinha uma turma na escola e não esses mini “grupos” de três ou quatro das escolas de hoje; porque a gente não jogava vídeo-game; porque "nossos emails" eram tardes de rolê na rua e bolo de chocolate na casa dos amigos; porque amizade era coisa fácil, e amor, fundamental, era o que mais sonhávamos.
A coisa fundamental ainda persiste em raros, como o jovem Rodolfo, que poucas noites atrás, enquanto seus amigos só falavam em putaria, sexo fácil e descartável, ele se virou, xingou todo mundo e afirmou que “o que eu quero mesmo é um romance!”.
Pelo menos ainda tenho o surf e esse raro lugar, o oceano, onde ainda posso ver o sol nascer (a esperança) e a noite (medo, a vida ficando pra trás, correndo rápida, “depressa demais” como diz o roqueiro louco Lobão) chegar.
E ainda consigo acreditar que uma grande mulher, simples e bela como esses instantes mágicos do dia, ainda vai chegar feito uma canção do Paralamas.
segunda-feira, dezembro 15, 2008
A marca e a farsa
sábado, dezembro 13, 2008
You can dance...
Poucas canções são tão felizes como essa. Poucas emitem essa vontade de apenas erguer os braços e celebrar a vida. Poucas que falam em "dançar" referem-se a esse dançar pela vida. Dançar com a alma. "Dancing Queen", som antigaço dos suecos do Abba, é um daqueles clássicos essenciais em qualquer festa e deveria tocar sempre que precisamos de um pouco de alegria. Alegria para lembrarmos que a vida pode se resumir em uma canção, uma dança e alguns sorrisos inesquecíveis. Curtam essa música que é uma terapia e guia para os que gostam de viver. Bono, a grande alma do rock and roll, sabe alimentar o espírito, sempre soube. Sabe que "you can dance, you can dance and have the time of your life"...
* Espero que gostem da casa nova do Pão na Chapa, com mais recursos (como os videozinhos no canto esquerdo e o set list, que reúne textos afins: por exemplo: os textos sobre surfar a vida e surfar no mar tão no link "ondas da vida"; alguns textos que usei em minhas aulas, ou criei pela emoção das aulas, estão em "aulas e afeto"; e por aí vai)
** Além dos posts novos, vou resgatando e arquivando no novo Pão na Chapa os textos velhos, reparem sempre se há uma data no final do post, entre parênteses, quando tiver, é um post antigo)
Cutback
Guarujá, verão de 1994
Um, dois anos depois? O tempo não significa nada diante dos amigos de infância que estudaram, cresceram, viajaram, viveram e surfaram juntos tantas vezes. Pleno domingão de feriadão e segundo turno da eleição municipal e lá estavam os dois de novo pegando a estrada cedinho. Chegando lá, a primeira providência é a velha Bono chocolate e um pão de milho com requeijão para sustentar o moedor de carne [corpo de surfista depois de um dia de ondas]. Mais um pouco e um momento fundamental, sempre uma grande torcida: como estará o mar?
Ondas pequenas. Eu já ia desanimando, mas o velho Português, sábio lembrador das manhas e segredos de nosso pico, enxergou algo mais, “não, tem umas ondas, e tá formando legal”.
Logo estávamos lá fora, logo pintaram as primeiras paredes, límpidas, belas, vestidas de um mágico verde azulado, a cor da inocência e das nossas melhores lembranças.
Lembranças, incrível que depois de 15 anos de surfe junto do irmão da vida [aquele tipo de amizade eterna só possível com os anos de convivência na escola e, sobretudo, nos papos nas tardes fora dela], são sempre as mesmas. De amigos e amigas, de paixões e viagens, sobretudo daquelas pessoas especiais de um tempo e colégio que não voltam mais.
Pausa no álbum de fotografias e momentos marcados com tanta força [mesmo depois de tantos anos, como é possível?], recordados lá atrás, onde o silêncio, paz e verdade do mar nos lembram apenas o que é inesquecível. Pausa para o presente, essa explosão de energia, inspiração e desabafo chamado surfe.
Pausa para o moderno, para minha incrível pranchinha nova, tão mais veloz, controlável e capaz que minha velha companheira de tantos anos. Duro perceber, mas romantismo nessa hora é besteira: por que perdi tanto tempo com minha prancha velha? Inacreditável a evolução instantânea que me está me permitindo essa menina nova, verdadeiro brinquedo maravilhoso de descobrir e inventar novos caminhos e movimentos nas ondas.
Vem uma das melhores ondas da manhã e engato uma velocidade jamais imaginada, e no caminho tá o brother, gritando, incrível como não dá vontade de sair, caraca, quase o atropelo e ainda brinco com o idioma dele, usando o sotaque e palavras portuguesas, “car..., lá vinha o gajo voando totalmente fora de controlo”...
Foi então que o Português disse a palavra mágica, rindo, “pensei que você ia VIRAR”...
Incrível, eu estava curtindo tanto o excesso de velocidade, que simplesmente tinha esquecido o tão vivo e energizante cut-back, a curva para o outro lado, que nos permite cortar a onda e depois voltar de novo para a parede que se abre, formando um S maravilhoso de baixo para cima.
E lá fui eu, na próxima menina perfeita [é, brothers, tava pequeno mas com aquela formação clássica, verdadeiro playground para longos passeios marinhos], dei aquela virada e voltei na maior tranquilidade!, que equilíbrio tem essa prancha!
CUT-BACK! O corte para trás, a virada para o passado, sem perder a conexão com o futuro, para a nossa onda que está arrebentando na outra direção. Não é isso o que rola em toda session como essa, sagrada, com um irmão da vida? Não é isso o que significa lembrar quem foi tão importante e imaginar se ainda pensam na gente como pensamos?
Cutback! A manobra e as recordações ficam ainda mais poderosas nas palavras do Português, um cara que consegue guardar ainda mais lembranças que este aqui. Claro, o cara é português, o povo que criou a palavra saudade...
Fim do surfe, estrada de volta e o lusitano começa a gritar quando o som do carro despeja aquele bom e velho Metallica tocando peso e melodia, fúria e delicadeza [segredo dos mestres do rock] do álbum preto. Resgata um antigo ritual de “dois jovens indígenas de anos atrás”. Resgata a vida em um de seus momentos mais significativos, um simples bate-volta para surfar.
Mas a vida continuou e dá uma inveja gostosa quando ele fala da filhinha. Quando ele fala o que é ter o grande sonho de minha vida.
Um dia ainda escutarei a frase mais esperada: “boa noite, papai”. Porque se o português pirou em um lance, “não tem uma música do Metallica que chama Don´t give up?”. Não, respondi, mas ele acertou ao aconselhar a canção que só ele conhece.
Don´t give up. Não desista. Jamais.
(o2/11/2004)
Para ver o céu
and a heaven in a wild flower
hold infinity in the palm of your hand
and eternity in an hour
[Para ver o mundo num grão de areia
e o céu numa flor selvagem
abrace o infinito na palma de sua mão
e a eternidade em uma hora]
Namorada nova
Sim, éramos apaixonados, e viajamos o país curtindo o tão belo e intenso romance do surfe.
Pena que o tempo, esse malvado, sempre passa. Ela foi perdendo aquela cor e textura tão gostosa da pele, foi perdendo a suavidade e precisão com que abraçávamos juntos as ondas mais incríveis. Pior, foi sendo machucada, ganhando algumas cicatrizes que foram comprometendo seu corpo antes perfeito como uma de linda beldade da juventude.
Triste foi vê-la amarelada, velhinha, machucada, algumas vezes, juro, até escutei gemidos de dor. Porque uma prancha tem, sim, vida. Que escultura de arte não tem vida?
Vida útil? A dela já tinha passado há muitos tempo.
Deveria tê-la trocado há milênios, para eu mesmo poder evoluir mais rapidamente no surfe.
Abandono. Tive sessions mágicas nos últimos dois anos com uma prancha que roubei um pouco do amigo Pimenta, uma super gata azul. Mas não é que em pleno outside, às vezes meu coração apertava porque ficava com pena da minha pranchinha que abandonara em casa, largada encostada na parede.
Não aguentei e voltei a passear com ela.
Mentiroso. A enganava em muitas tardes em que varava as surf shops de São Paulo à procura de uma namorada nova.
Até que há algumas semanas, meus olhos se perderam de novo.
Uma jovem mais baixa, 6´2, mas de curvas também delicadas, e tão bela em sua pele amarela-ouro com mechas alaranjadas... Suspirei. Finalmente encontrei o que procurava. Tá, ela pode ter a cintura-borda um pouco recheadinha, mas vejo isso apenas como o charme de minha gordinha.
Sim, já está aqui em casa.
Esperando pelo primeiro beijo, porque o surfe não é como o namoro dos seres humanos.
O primeiro beijo e sexo feito com amor, só vai acontecer quando pudermos nos deitar juntos nas ondas de minha praia amada.
Enquanto o dia não chega [com essa chuvinha chata não vai dar, ela merece o céu azul e o sol dourando sua pele], apenas a admiro, deitada em minha cama. Como se fosse um moleque descobrindo os encantos da primeira namorada.
Não são os surfistas os únicos que conseguem parar o tempo com seus corações de Peter Pan? Que conseguem, sempre, amar como da primeira vez?
Ela é linda. Minha amarelinha dourada, prancha do sol.
(15/10/2004)
sábado, dezembro 06, 2008
A onda perfeita
[Um ex-aluno, futuro jornalista, me pediu para dar um depoimento sobre o que é dar aula, para uma reportagem sua. Tentei então esse texto.]
Dar aula? Sobretudo é ouvir e aprender, se importar. Existem professores de Redação que apenas lêem e corrigem a gramática e forma dos textos. Esquecem o mais importante: ouvir os corações por trás dessas palavras. Ouvir corações? Que outro professor recebe vidas desnudas, esperanças, medos e sonhos, alegrias e tristezas em folhas de papel?
Sim, é delicado nosso papel, talvez responsabilidade demais ter um pouquinho de vidas depositadas em nossas mãos. Mas temos que ter a coragem de conversarmos com os alunos através dessas mesmas redações. Tradução: atenção. Por isso, não corrijo apenas, procuro sempre deixar um comentário para o aluno. Às vezes incentivo um talento, às vezes apenas tento demonstrar um abraço - um “conta comigo” – se percebo tristeza ou medo. “Ah, os alunos devem superar seus medos e problemas sozinhos”, dirão os céticos. Mas não custa nada, e creio ser fundamental, apontar alguns caminhos ou alternativas.
Vital também é dar forças e encontrar qualidades [todos têm!] naqueles que têm maior dificuldade em escrever. Onde algum outro poderia encontrar apenas erros gramaticais e talvez um desenvolvimento precário do texto, se enxergo um pensamento maduro, consciente ou um belo valor, valorizo isto demais. Porque são poucos os que tiveram a facilidade de ter pais amantes da literatura e da leitura. E também porque, às vezes, num texto mal escrito, mas sentido com beleza, força ou indignação [ou tudo isso junto], podemos aprender e nos emocionar.
Aprender. Um professor que não aprende a cada aula com seus alunos está na profissão errada. Como fazer isso? Escutando, dando oportunidades, chegando perto daquele que quase não fala [mas que grita com os olhos] e pedindo, sem alarde, que se exponha.
É preciso fazer das aulas atos religiosos. Não, não falo em sermões de missa, e sim no aspecto sagrado da comunhão. Precisamos todos, professor e alunos, comungar do mesmo objetivo: aprender com respeito, atitude, amor e muita, muita garra. Aí está o lado sagrado da educação em que acredito. Chega através de aulas dinâmicas, alunos entusiasmados, discussões acaloradas sobre temas relevantes e no final, o silêncio da hora de escrever. Pronto, acontecem assim belos momentos, até inesquecíveis, tão cheios de sentido e criação.
Aulas como essas, que acontecem tantas vezes!, me dão a sensação de estar lá fora no mar, esperando as ondas enquanto converso com um amigo de vida toda. E como surfo, enquanto escuto as palavras dos alunos nos debates ou leio seus textos. Encontro em sala de aula a tão sonhada onda perfeita.
Essas são as aulas em que acredito, cujo símbolo maior que encontro é um ato que comecei a fazer por necessidade de me posicionar na mesma altura que meus alunos, que estão sentados: quando me chamam - olhos brilhando de curiosidade, querendo dizer algo ou apenas pedindo ajuda para um início de redação – não peço, algumas vezes, que venham até a “mesa do professor”. Vou até lá, me agacho, ou me ajoelho e dou uma respirada, mirando seus olhos. Nessa posição, eu e eles parecemos aprender juntos. Por um texto, sentimento. Por um significado. Pela vida. Aos alunos com carinho.
De onde vem essa força?
Assisti hoje cedo à uma prova de ciclismo de pista, dentro do velódromo. Alguns ciclistas mal conseguiam ficar de pé e andar, por possuírem sérios comprometimentos nas pernas e pés. Eram ajudados pelos voluntários para subirem no selim e se acomodarem em suas bicicletas. Como conseguiriam pedalar?
Eles conseguiram. Em cima dessa maravilhosa máquina chamada bicicleta [com tão pouco jeito de máquina, por ser silenciosa, delicada, bela], eles voaram pista afora. Pássaros da garra e coração humano que não se abate com nada. Como uma antiga aluna valente uma vez escreveu - sobre um deficiente que praticamente não se movia, mas pintava como um gênio com o pincel na boca – o que os movem é uma alma pura e guerreira, sem as deficiências que muitos de nós carregamos.
Pureza e vida foi o coquetel essencial da festa de abertura, com aquela imensa árvore que os gregos colocaram dentro do estádio olímpico. Árvore que significa tanto [a fertilidade, os frutos, o verde, a proteção, a preservação, o futuro...], que os gregos iluminaram a cada momento com uma cor e bailarinos diferentes, representando todo o espetáculo da vida: água, terra, fogo, ar; mar, céu, paraíso, inferno; morte, vida etc etc. Não assistiu? Perdeu o inesquecível. Mas sentirá emoções parecidas se ligar no canal Sportv e acompanhar, todos os dias [até dia 28], os espetáculos de coragem e beleza da Paraolimpíada.
Beleza, sobretudo. Porque precisamos parar de ter pena desses atletas - tratando-os ou sentindo-os como coitados - e valorizar as manobras e atuações sublimes que eles conseguem fazer. Como esse balé frenético e sutil com que o pessoal do basquete conduz suas cadeiras de rodas; como as adaptações que esses leões conseguem fazer com seus corpos mutilados [em alguns casos] para conseguir, por exemplo, nadar em alto nível mais rápido que nós, mesmo sem parte da perna ou dos braços.
Como esses pássaros que me encantaram hoje no ciclismo. Que provam que, mais que uma mente e corpo são, o que produz um campeão da vida é a alma incansável que não conhece o significado da palavra “impossível”.
A alma que sonha, quer e persegue não conhece barreiras. Por isso voa.
Carta a um corinthiano
Domingo, ao escutar na TV alguém falando da “velha garra corinthiana”, lembrei de você. Lembrei então daqueles tempos inesquecíveis da adolescência, quando você enchia o meu saco sãopaulino falando primeiro do Doutor Sócrates [ainda bem que ele tinha um irmão caçula...], de Biro-Biro [existiu algum homem mais alvinegro que ele, que vestiu mais no peito cheio de raça, no jeito humilde e na atitude de empurrar seu time sempre para a frente o que significa Corinthians?]; e depois do louco genial, Neto [por que não existem mais craques com o caráter e a coragem de falar o que sentem como ele?], daquele figura do Ronaldo [grande goleiro cheio de mandingas e péssimo roqueiro, mas eu e o Dudu demos boas risadas escutando ele cantar] e daquele maldito talismã chamado Tupãzinho, que marcou o gol aquele gol do título brasileiro pra vocês em minha casa, o Morumba...
É, cara, acho que foi você quem inventou um ritual sagrado depois daquele campeonato: passar em minha casa buzinando, gritando Timão e tirando sarro [ah, não sei, posso ter sido eu o primeiro a sacanear, né, pois o Tricolor ganhava tudo nos anos 80...]. Mas como você e seu pai se arrependeriam depois, pois depois que Rei Raí chegou, acho que passei muito mais na sua casa comemorando títulos e zoando que o contrário [precisa ver como o Kaju adorava esse ato!, é, o São Paulo era tão bom que mesmo com o Kaju a gente era campeão...].
Bom, corinthiano, escrevo esse bilhete só pra te lembrar que nesses tempos difíceis, em que pode não estar acreditando em mais nada, existem coisas que não mudarão jamais,
como a beleza da infância regada à muita loura [gelada ou não...], festas e aquele futebol jogado com amor em tudo que é campinho! Você criou até um time lendário, o Independente Futebol Clube! E olha, que depois de ver o ex-urso Nando magrinho de novo, deu vontade de refazer aquela grande zaga Nando-Zé, só não podemos chamar de volta o Bala, o bicho tá grande... cara, lembra quando ganhamos do time dos babacas loducas e juniors na USP, O Carlinhos metendo uma bicicleta atrás da outra?...
como aquelas corridas que a gente dava, tenizão Rainha no pé, encarando grandes vendavais [continua curtindo correr na chuva?]
como aquele Iron no talo [que você me zoou anos, porque eu não tinha visto o Bruce ao vivo, até o ano passado, quando só vi porque vocês passaram em casa]
Deixo abaixo então, além de um grande abraço de Ribeirão, e uma inveja. Pelo menos vocês tem raça, e eu fico aqui sofrendo pra eternidade, porque o maior de todos, Raizão, só teve filha mulher...
E pra fechar, lembra do Iron e do Churchill, You must never surrender.
PS – Tá, pro Dudu não encher o saco, lembro tb do grande curinga Wilson Mano.
PS2- Torneio da FIFA e aquele jogador “mau caráter é pouco” não entram, que isso aqui é site de gente direita hehe.
O homem sem medo
“O tempo não pára. E a gente ainda passa correndo demais”, esse era o lema de Cazuza. Consumir cada momento feito um louco. Sem freios, sem medo, embriagado pela vida. Com muita paixão: pela música, juventude, noite e, sobretudo, por si mesmo. Foi sim um grande egoísta, abusando do amor e proteção de seus pais. Mas foi preciso ser um egoísta e um ego inflado e inflamado demais por ter consciência de sua garra e genialidade, para escrever e cantar alguns dos mais belos, críticos e poderosos versos – verdadeiros hinos – do rock e de algo maior chamado música brasileira.
Foi esse poeta guerreiro um demolidor de preconceitos e talvez a voz mais corajosa no país naqueles pasmacentos anos 80, embrião da alienação e falta de atitude que formaria a triste nova juventude brasileira dos anos que viriam: a acomodada, consumista e cega “geração coca-cola”, como cantou e criticou outro poeta morto, Renato Russo.
Coca-cola para ele era só para misturar o rum, a vodka, algum outro álcool pesado, e ainda maconha, cocaína e a droga que pintasse. Ou para lavar o estômago e o coração do país podre em que vivia, da elite política e econômica que metia a mão nos bolsos dos brasileiros decentes e trabalhadores [mudou algo hoje?]. “Brasil, mostra tua cara, Quero ver quem paga pra gente ficar assim, Brasil, qual é o teu negócio? o nome do teu sócio?... Não me ofereceram nem um cigarro, fiquei na porta estacionando os carros, não me elegeram chefe de nada, o meu cartão de crédito é uma navalha...”, assim ele detonou na canção Brasil, que virou hino pela redemocratização e limpeza do país. Por que essa canção não entrou no filme, produzido pela Globo?... Algo a ver com “o nome do teu sócio”?
Pena que as drogas e a promiscuidade levaram cedo esse poeta fundamental. Imaginem o que poderia ter feito e cantado mais pela vida vivida com a paixão que ele nos ensinou.
A paixão de um exagerado consciente de que vivemos numa piscina cheia de ratos, cansados de correr na direção contrária, sem pódio de chegada ou beijo de namorada, mas com garra e, sobretudo, coragem. Porque, se você achar que eu tô derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados, porque o tempo não pára...”.
A paixão de quem sabia que era preciso - nesses tempos negros em que nossos heróis já morreram faz tempo, de overdose - combater e denunciar nossos inimigos, os que estão no poder. Pena que hoje, 14 anos depois de sua morte, os heróis dos adolescentes sejam caras vazios que cantam sem dizer nada e estimulam os jovens a consumir aquela mesma coca-cola condenada por Renato e Cazuza. Pelo menos Cazuza não envelheceu para ver todos os belos ideais em que acreditava destruídos. Porque as ideologias de hoje, que nunca estiveram tão fortes, são as mesmas que ele teve peito para condenar – o poder, o dinheiro, a mentira e o consumo.
Porque Cazuza era homem.
Uma lágrima então porque ele era o cara.
Uma lágrima então, porque a vida segue a mesma:
Nas noites de frio é melhor nem nascer / Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
Pois assim se ganha mais dinheiro...
o verdadeiro amor é todo dia
Como é bom, nas horas duras ou depois de uma briga com alguém que a gente preza demais, ir lá fora e olhar a cara dela. Perceber o olhar tão puro, doce, cheio de carinho. Amor incondicional. Amor todo dia, todo instante. E não esse amor que só é bonito de vez em quando, quando o amigo ou a amiga não estão de pá virada. Porque um cachorro, por mais que tome uns tapas na bunda ou um balde de água fria quando começa a latir ou uivar feito doido [né, Capitu? !], não guarda essa besteira chamada rancor. Porque um cachorro, ainda mais se for uma louca dálmata baixinha que mora aqui em casa e detona tudo, só sabe amar. Amor sem essas barreiras tolas que os seres humanos, mesmo os amigos, colocam entre si.
É, foi preciso que o cara lá de cima colocasse um cachorro entre nós para aprendermos um pouco sobre o lado mais bonito do sentimento mais importante.
Portanto, pense muito antes antes de bater boca com um amigo. Antes disso, chega pra ele e faz uma perguntinha simples, - por quê?
O mundo seria muito melhor se as pessoas perguntassem antes de bater.
O mundo seria muito melhor se todo mundo tivesse uma cachorrinha amorosa como a Capitu.
PS – Em breve, pra não causar ciúme e revolução no quintal, falo também da minha maior companheira, Babalu [mãe dessa baixinha que falei] e do maluco tranquilão, parece um cachorro hippie, com cara de urso polar, o Sansão, o cachorro que é a cara do Higino! E não poderia esquecer da matriarca da família, que me acompanhou 14 anos sempre me dando um amor especial, a inesquecível Duda
Túnel do Tempo
Mas será que voltei ao passado mesmo? Chegando no nosso pico de sempre, outro velho amigo, o Mergulhador, estava lá nos esperando, com o mesmo super carro de sempre, com o mesmo sorriso maroto que eu logo desconfiei o que significava: brothers se reencontrando e em seguida, ele me sacaneando, como rolou quando vimos um surfista andando na praia com três gatas, “é, a vida é assim mesmo, o cara andando com três deusas e a gente trazendo o velhinho pra passear”... Na seqüência, claro que queria quebrar meus três velhos amigos, ainda mais pela velha risada histérica do Velho, misto de ironia, sarcasmo, maldade e sacanagem que aumentam qualquer gozação a níveis astronômicos.
Zueiras à parte, logo estávamos lá atrás, e nosso pico bombava como sempre, um metro pra mais perfeito. Bom, logo, é força de expressão, porque penei para varar a arrebentação com o pranchão de 9 pés [pqp, pra que fui acreditar no boletim das ondas, que previa merrecas...], assim como o Velho, que anda em forma da padaria do pai dele he he. Mas uma hora a gente chegou, e era um tal de um aplaudindo a onda do outro [e tirando o maior sarro nos caldos sinistros] que o tempo deu um rewind brutal [tá, esse “voltar pra trás” escrito em inglês ficou uma tremenda viadagem, podem zoar seus malas] e me vi anos atrás. Os mesmos caras, as mesmas ondas, o mesmo astral. O mesmo papo profundo com o Mergulhador, sentados em nossas pranchas esperando as ondas, lembrando viagens e aquelas mulheres inesquecíveis do nosso colégio...
O que mudou? Talvez nós mesmos, pelos caldos cabulosos que a vida nos pregou, especialmente aos mais velhos e parceiros mais antigos. E talvez tenha mudado também a amizade. Porque, por mais que os anos passem, ela só aumenta.
Marquem então a próxima session. Porque, por mais banal que seja o que eu vou dizer, a vida é uma onda, e o movimento ondulatório é algo que sempre retorna.
Como o sol, como o sorriso besta e tão bonito que estampou a alma desses irmãos depois de tanto tempo. Tanto tempo...
sexta-feira, dezembro 05, 2008
Procura-se vivo ou morto
Foi no meio do bar, da noite já turbinada por baladas roqueiras e pelo sempre poderoso combustível de velhos amigos lembrando os bons tempos, as experiências vividas, as aventuras e os amores sonhados. De repente o coração do amigo - outrora tão jovem, decidido e revolucionário [queria mudar o mundo] – reduzira-se apenas à uma amarga e dolorosa pergunta que ele fez, com a coragem e tristeza dos que um dia acreditaram tanto:
- O que fizeram com o amor, Zé?! Ele ainda existe?????
Tomei um susto grande, e simplesmente não consegui responder, tamanha a força e angústia daquela pergunta fundamental. Olhei para o amigo e tentei falar alguma coisa. Não deu, só saiu, após segundos intermináveis, um “esclarecedor”,
- Porra, Paulinho...
Foi tudo o que consegui dizer, talvez por ter, há algum tempo, a mesma dúvida violenta e corrosiva. Ainda bem que naquela noite logo pintaram risadas pelo papo profundo demais. E o peso da bateria, os gritos do cantor, as viagens e barulho das guitarras concretizaram a anestesia. Mas volta e meia a pergunta daquele ex-sonhador se transforma em outras. Se transforma numa dura página de classificados da vida:
Procura-se o amor.
Procura-se a coragem de amar, o novo e o velho sentimento.
Procura-se uma fotografia e tudo o que ela representou.
Procura-se uma menina que inspirou um final feliz de um romance de um surfista.
Procuram-se as canções de amor que o rock fez pra ela através da paixão dele pelo rock.
Procura-se a melodia daquele sentir juntos, com a mesma intensidade e significado, aquelas cenas dos filmes.
Procura-se aquela canção, que falava de um louco mundo e de um sensato e tão verdadeiro amor.
Procura-se uma reunião de amigos que se comprometeram a não se esquecerem embalados por uma canção do U2, “One”.
Procuram-se os amigos que compartilhavam as ondas.
Procura-se tanta coisa
e tão pouco é encontrado.
Procura-se uma luz como aquele sorriso puro e doce da menina que ficava bem em qualquer lugar.
Procura-se uma luz. Nas ondas, canções, esportes, pais, raros amigos e amigas de verdade. Mas tudo isso não resolve nada.
Porque, caro Paulo, não sei o que fizeram com o amor.
Talvez esteja morto.
Ou escondido nas profundezas,
com medo de novas cicatrizes,
com medo de lutar de novo.
Só que lembro sempre o que pregava um poeta romano antigo, "o amor é como o serviço militar: Para trás, covardes!"
(06/07/2004)
O inverno de nossas vidas
Como podemos ser tão tolos, nos encondendo na estação mais reveladora da vida?
Mas e o frio, a chuva e o desânimo que o inverno traz ao corpo e às almas perturbadas?
Sim, os dias cinzentos nos tornam animais enjaulados, tristes, acuados.
mas um dia ele aparece e a vida continua, apenas algumas fagulhas é o suficiente
porque quando o sol ressurge num dia de inverno, não podemos desperdiçar a benção, descemos a serra então,
os irmãos da vida,
surfistas
retornando ao lugar onde o inverno fala com a gente: nosso amado pico local,
a praia onde o tempo não existe
onde as lembranças estão sempre presentes
onde até a dolorosa saudade torna-se uma memória mágica,
onde as incríveis histórias do passado – os amigos, festas, fogueiras, músicas junto da lua e de mulheres inesquecíveis ou dos brothers comemorando – apenas nos lembram que vida maravilhosa tivemos,
que temos,
pois logo estamos de novo lá dentro
no lugar a que mais pertencemos
o oceano imenso
o lugar onde mais somos nós mesmos.
Só quem sente que pertence ao mar sabe como os sonhos e esperanças são mais intensos lá dentro,
a água fria, mais verdadeira, com a temperatura das nascentes dos rios, cachoeiras,
geladas como as fontes da vida,
sim, trituram os ossos, mas aquecem a alma dos que a enfrentam
e as ondas? ah, que tonalidade mágica, não são mais azuis dos dias quentes,
não lembram o céu do sol brilhando poderoso
são mais envolventes, densas, cor de conto de fadas antigos
verdes
verdes escuras,
e elas vêm
e remando feito loucos para empurrar nossos corpos pesados envolvidos em roupas de borracha
finalmente as encontramos
e viajamos num vital túnel do tempo
pois surfar as ondas do inverno é penetrar no silêncio e mistérios daqueles bosques verdes da infância, daqueles inesquecíveis passeios na floresta
Verde,
a cor da inocência
a cor dos surfistas.
Lembro então da frase da jovem Valentina, que evoluiu tanto nos últimos meses [deve ser o inverno a amadurecendo]:
“Viver? Não se trata de aproveitar cada momento, mas sim tornar cada momento único”.
Canções da Vida
Quando tudo parece perdido, quando o queixo não quer levantar, quando a boca não fala e os olhos não brilham mais e o telefone não toca,
Quando nossa outra metade não aparece mais naquele nosso lugar mágico, silencioso [som era só o dos nossos corações],
Quando os amigos não pintam de repente, tocando a campainha, o interfone ou gritando,
Quando o mundo parece congelado numa tela triste e sombria, envolta em fantasmas lá dentro do peito, é hora de buscar o melhor remédio.
Sim, não cura por muito tempo, mas poucas coisas são tão poderosas para nos lembrar que ainda há esperança como a MÚSICA,
as canções que nos aquecem o peito.
Tá, algumas delas aumentam ainda mais o vazio, mas essas, de tão belas e tristes pelo menos nos lembram que ainda há arte e maravilha lá fora,
pelo menos no louco mais deprê que a gente que criou essa canção tão dolorosa.
Mas nada de deprê na caixa de som, como é bom escutar de repente na rádio [KISS FM, claro] baladaças que nos lembram, p...: ainda estamos vivos, e temos muita coisa boa, aqui dentro para oferecer.
Um acorde de guitarra ou baixo, um verso e estamos salvos de novo,
lembrando de alguma cena inesquecível
com ela [dane-se se ainda não deu certo, sejamos felizes pelo que vivemos]
ou com aquele brother, com aqueles amigos
naquela praia, festa ou naquele bar,
de noite, olhando as estrelas, o mar
celebrando o amor,
ou a amizade.
Porrada, a gente nunca está preparado, e incrível como a rádio vem e toca aquele som que não podia tocar,
vem mais lembranças, profundas, antigas, cenas maravilhosas que talvez não voltem mais,
MAS AUMENTA QUE ISSO AQUI É ROCK AND ROLL,
Depois de uma balada vem um petardo,
TÁ COM MEDO DO ESCURO?
Somos salvos então por uma poderosa canção que invoca isso mesmo,
O MEDO DO ESCURO,
É Iron Maiden com Fear of the Dark
incrível como os solos de guitarra e a bateria acelerada desse som jogam o medo do futuro e a dor do passado pra casa do...
e ainda tem aquele finalzinho mágico, suave, dedilhar suave da guitarra e o canto “when i´m walking a dark road, iam a man who walks alone”,
[Quando eu estou andando em uma estrada escura, eu sou um homem que caminha sozinho]
Sim, podemos ficar sozinhos,
mas ainda podemos pegar a nossa própria estrada, dos nossos sonhos.
Ninguém se perde de vez enquanto existir uma canção para nos salvar.
(12/05/2004)
O menino que gostava de Oasis
“Tá me tirando?!”. Era a frase típica dele, servia para brincadeiras descontraídas e também para quando ficava esquentado mesmo. Mas a verdade desse moleque enorme que gostava de fazer panca e cara de mau era fácil de sacar: era o coração grande e o carinho com os amigos. Só que “carinho” ele não diria nunca, era machão demais pra isso. “Inho” só dizia se fosse seu sobrenome, Godinho, e assim mesmo tinha que vir acompanhado do que sempre adorou: style. Estilo. Tá, o cara é super desajeitado, mas até que tem um certo estilo, mas claro, a anos luz do email que ele teve coragem de colocar como seu, David Beckham!
Pô, Beckham não dá, né, você está mais pra aqueles centroavantes trombadores, mas estabanados. Tá, mas fazendo seus gols.
E gols esse moleque fez muito para a turma dele. Porque hoje de manhã, logo na primeira aula, ninguém dormiu ou fez bagunça. Sua classe e seus amigos ficaram mudos quando li suas palavras d despedida. E claro, vaidosão, que algumas meninas choraram... E todos pareceram sentir o baque daquela carteira vazia.
É, você sabe que acabou é se tornando símbolo de outra palavra que adorava, “vacilar”. É, vacilou bastante, como você mesmo disse ter consciência. Melhor assim, porque só os grandes sabem quando pisam na bola. E só os bons corações, como o seu, aproveitam isso pra dar a volta por cima.
Mas não encana quando botar a cabeça no travesseiro. Tô achando é que os amigos e amigas que deixou aqui vão é ficar mais intensos. Porque o seu nome, para muitos de seus brothers e gatinhas não lembra vacilo ou mancada. Lembra é saudades.
Lembra é amizade. Pura.
Té mais, “maluco”, nunca esqueça do que construiu aqui dentro. Sei que conversamos pouco, e te cobrei por ter escrito e se esforçado tão pouco. Mas saiba que suas raras redações foram lidas com gosto.
Porque você despejava sinceridade e emoção naquelas folhas de caderno.
Esse é o cara que quero lembrar. Aquele que escreveu com alma sobre como é de verdade, naquele auto-retrato [proposta do livro de Português, viu Rafinha!!!] que eu li pra sua galera.
Por isso tudo, esqueça um pouco o estilo. Seja mais o “maluco” beleza, de bom coração e cheio de atenção com os amigos. Entre todas as rebeldias que você gosta de empunhar, escolha a revolução de lutar pela amizade, que tão bem descreveu nas redações.
E nunca, velho, nunca “don´t look back in anger”.
Olhe para trás apenas para as lágrimas sentidas e sorrisos que deixou.
Abraço do "vovô o escambau!",
“Stand by me” e boa sorte.
Anos Incríveis
“Crescer acontece de repente, como uma batida do coração. Num dia você é uma criança, no outro, esse garoto não existe mais. Mas as memórias da infância permanecerão com você na longa jornada” [Kevin Arnold lembrando os anos que marcaram demais sua vida]
Nunca antes a TV conseguira retratar tão bem - com beleza, paixão, poesia, força e verdade - os melhores anos de nossas vidas: a travessia dos 11 para os 16 anos. É essa a proeza do seriado Anos Incríveis [Wonder Years], que acompanhou por seis anos [em tempo real] a vida do garotinho e depois adolescente, Kevin Arnold, sua família, amigos, professores e todo o momento histórico da época [a virada dos anos 60 para os 70].
Nunca existirá outro seriado como esse, porque os valores cultuados naqueles anos dourados parecem hoje sonhos e ideais distantes, nesse mundo cada vez mais desumano e violento. Nesse mundo em que “o futuro das nações”, os adolescentes com poder [quem têm uma boa formação educacional, cultural e condições econômicas], preferiram aderir ao sistema. Preferiram o consumismo, a alienação e a apatia aos protestos e sonhos de um mundo melhor que defendiam os jovens dos anos 70.
Anos mágicos e conturbados, fartos em esperança, alegria ou dor; guerra e paz; assim foi o período entre 1968 e 1973, nos anos em que Kevin Arnold, transformou-se de uma criança que ainda não descobrira o encanto da primeira vez [primeiro beijo e namorada] em um jovem já entediado de um trabalho rotineiro, que deseja chutar o balde e cair na estrada.
Enquanto Kevin cresce, vamos assistindo às suas descobertas: o amor que nasce tão cedo, mas forte e puro por Winnie Cooper; a amizade leal, com jeito de eterna, com Paul; o difícil relacionamento com os irmãos mais velhos [o alienado Wayne e a revolucionária Karen] e sua complexa relação, farta em desejos de se libertar mas também explodindo de carinho e atenção, com os pais. E nem falei das pequenas grandes batalhas, glórias e derrotas - todas valiosas lições - vividas na escola; na festa em que quase destruiu sua casa, no romance de verão com a menina do lago, na saudade do fiel companheiro por tantos anos, o cachorrinho beagle Buster...
Além de retratar com sensibilidade os tesouros e problemas dos anos-ritos de passagem de Kevin Arnold [parecidos demais com as experiências de todos os que tiveram o privilégio de uma infância inesquecível], Anos Incríveis é ainda mais mágico por cada episódio ser narrado por um Kevin já adulto. Então ele faz reflexões sobre cada experiência que viveu quando garoto. Sim, há um certo saudosismo triste, pois percebe muitas vezes que alguns momentos e oportunidades não voltarão jamais. No entanto, o Kevin já crescido e pai de família mostra que seu coração será sempre uma grande colcha, tecida com cada pequena beleza, sonho tornado realidade e lição daqueles anos maravilhosos.
Sopro de esperança. O mundo está cada vez mais longe dos ideais de paz, amor e compreensão defendidos pelos jovens da época de Kevin. Quanta paixão, amor e afeto eles exibiam em tantos momentos marcantes, como nos protestos contra a Guerra do Vietnam, nos festivais de música da contracultura dos hippies, ou no tempo maior que se passavam junto da família e amigos [ainda não existia o videogame, a internet ou a overdose de cursos para ocupar a molecada]!
Mas cada vez que exibo no colégio um episódio desse seriado, e vejo a atenção, sorriso e até algumas lágrimas disfarçadas [por que os meninos e meninas de hoje precisam esconder as lágrimas, tão doces e puras?] de meus alunos, volto a acreditar que um dia esses anos voltarão de novo...
Porque “eu me lembro de um lugar… de uma cidade, de uma casa como tantas outras… um quarteirão, como tantos outros... uma rua, como tantas outras. E uma coisa permanece a mesma… depois de todos esses anos, eu ainda olho para trás... e vejo que foram anos incríveis...”
O velho do mar
É por isso que ele entra na vida de um garoto, órfão de pai, que quer aprender a surfar. É assim que ele vai voltar a viver: dividindo sorrisos e sessions com esse menino.
Óbvio imaginar o que acontecerá [o moleque ainda tem uma bela mãe e um irmão rebelde]? Sim, mas as palavras de Jim Wesley não são nada banais. São bem diferentes dos egos inflados, egoísmo e desrespeito que transbordam hoje dentro e fora do mar.
Jim se afastou das competições e da busca por ondas cada vez maiores porque achou que tinha coisas mais importantes para fazer: “Passei tanto tempo tentando provar algo, tentando ser aquele cara [de um pôster na parede, ele dropando uma morra monstruosa], que esqueci a razão pela qual eu surfava”.
Ele também passou uma borracha na interminável procura da onda perfeita: “As ondas que eu pegarei amanhã serão sempre as melhores e mais importantes.”
O que vale para Jim Wesley é surfar. Em qualquer lugar, em qualquer tipo de onda.
Não importa o tamanho da onda. Mais importante é o tamanho do coração do surfista.
Pensem nisso antes de reclamar do mar e de qualquer coisa.
“Não importa se o mar está calmo ou feroz, mas sim o modo como você vai sentir a brisa em sua alma” [Janaína Grasso, ex-aluna do colégio Horizontes-Uirapuru]
PS – Jim Wesley é na verdade o ator Mark Harmon. É um personagem do filme “No Calor do Verão” [passa no canal a cabo Cinemax e pode ser alugado em vídeo ou DVD]. Um filme despretensioso e simples. Mas o olhar e palavras de Jim valem mais que horas e horas desses vídeos de surf moderninhos.
O Namorado das Ondas
Seis vezes campeão mundial, Slater é maior que títulos ou recordes. Será lembrado não “apenas” por seu talento absurdo – ninguém conjugou tão bem velocidade, força, estilo, risco, inovação e performance em qualquer tipo de onda como ele – mas também por seu caráter elevado.
Raros dominaram tanto um esporte como o garoto crescido nas merrecas de Cocoa Beach, da sua Flórida natal. Mas diferente de um Michael Jordan no basquete ou um Pelé no futebol, homens que viraram marcas, Slater permaneceu sempre um surfista.
Um cara simples que, mesmo sendo um super herói das ondas, é capaz de admitir sua fragilidade, de um homem como tantos outros buscando sentido para a vida. Como falou há alguns anos na revista Trip:
“O surf não preenche a vida de ninguém” (sobre a vida de competidor)... “Eu não estaria bebendo até as sete da manhã se estivesse realmente feliz” (sobre uma noitada em Maresias, julho de 2000).
Um campeão humilde, que não se considera o maior da história, como afirmou em O Globo, em 1997, dizendo que não se podem comparar surfistas de épocas diferentes e ainda afirmando que não pode ser o maior, “se um Mark Occhilupo tem a melhor batida de backside que eu já vi”.
Certo, Slater, mas é óbvio que você é o mais completo da história, como demonstram seus títulos e performances que aproximaram demais o surf das obras de artes sublimes como a pintura, a dança e a música.
Um artista e também um guerreiro, como provou na melhor bateria de campeonato da história, a semifinal do Pipe Masters de 1995, em que enfrentou [na verdade, comungaram juntos] seu amigo e outro artista genial, Rob Machado. Ambos dominaram tubos incríveis nas sagradas e perigosas ondas grandes tubulares de Pipeline com uma classe, estilo e soberania que nenhum outro alcançou depois. Foram se alternando na liderança da bateria com uma sucessão de notas dez ou quase, em drops de abandono e encontros com saídas de tubos impossíveis. Slater venceu, mas teve a dignidade de, no meio da disputa, cumprimentar com um aperto de mão uma onda surreal do amigo.
“Observar o seu ato não nos inspira a surfar, porque nem em nossa imaginação podemos surfar como ele” (Jason Borte). Surreal Kelly Slater, aquele que surfa mais do que nossas fantasias. E que também não tem medo de tornar sonhos realidade, como fez com sua outra paixão, a música. O cantor Slater foi malhado por boa parte da crítica, mas quanta poesias e violões encantados existem no álbum “Songs from the Pipe”, que gravou junto de Machado e de Peter King. Há muito sentimento ali, em baladas cativantes como “Never” e “Not Your Slave”. Esta última tem um ritmo, harmonia, fluidez e impacto que parece reproduzir uma session do próprio Slater.
Sessions que serão sempre bonitas como uma história de amor, pois esse mito é um espelho perfeito para o conceito de surf de seu brother maior, Rob Machado: “surfar é como se apaixonar”.
Um dia, lá nos confins da infância, as ondas do mar se apaixonaram por um garoto chamado Kelly Slater...
Viagem sem fim
Como podemos nos intitular viajantes quando nos deparamos com um explorador chamado Amyr Klink, o brasileiro que atravessou o Atlântico num barco a remo e depois o mundo, pela terrível rota mais sul possível, farta em tempestades, ondas de até 15 metros e um frio extremo, no círculo polar?
Se não podemos correr o mundo como Amyr, por faltar coragem (e dinheiro), nada nos impede de empreender outra viagem, tão maravilhosa e árdua: a travessia dos corações humanos.
Amyr vai longe, em jornadas incomparáveis, fartas em experiências fantásticas. Mas e os que ficam e tentam conhecer, profundamente, um lugarzinho ou as outras pessoas?
Amyr se entrega ao oceano infinito, aos mistérios mais desconhecidos da Terra. Outros, cada vez mais raros, entregam-se à descoberta do coração humano. Pena que muitos não entendam e não permitam serem navegados pelos corações azuis desses marinheiros da vida.
Talvez as montanhas brancas, de geleiras e icebergs, que Amyr descobriu sejam menos inóspitas que algumas pessoas que estimamos e com quem tentamos nos relacionar. Não dá para entender, por exemplo, a frieza dos que partem de nosso porto-amizade para nunca mais voltar.
Ou será que eles é que têm razão, em suas eternas viagens sem olhar para trás, tocando a vida e novos portos?
Sim, precisamos nos contentar um pouco em sermos apenas boas lembranças para esses viajantes que nunca regressarão. Pois sabemos que em algum momento, fomos nós o mar sem fim que inspirou esses corajosos exploradores que olham a vida e o mundo como a próxima viagem.
Mas quem sabe um dia não olhem uma velha fotografia
descubram uma carta antiga
ou escutem, em um lugar distante,
aquela velha canção,
chamada amizade ou amor verdadeiro.
quarta-feira, dezembro 03, 2008
A menina que surfa com os pés
Segundona. Último dia na escola da praia. Na escola e praia que foram minha casa esse ano todo. Na escola que, triste demais, está fechando. Madruguei para surfar antes das aulas. Queria pegar a missa das seis lá dentro, na catedral azul. Netuno se escondeu, e minhas tão presentes companheiras do Itararé simplesmente não estavam lá. Não havia ondas. Na escola também não estava mais presente aquela turma com quem surfei as mais belas ondas da educação com amor. Mas sempre há algum surfista de alma, basta sabemos olhar e sentir, como percebi em minha outra turma. Veio então aquele presente surpreendente, de uma aluna difícil mas tão valiosa. Um bloquinho de notas artesanal feito por crianças humildes. Um pequeno caderno para minhas palavras futuras; feitas em folhas de vontade, embrulhadas em saudade. Valeu, Julia.
Palavras são menores que gestos e olhares. São menores que outro presente inesquecível. Um presente vivo, que seria construído com arte, beleza, alegria e parceria por outra menina. Ana Luiza sempre me chamava pra jogar bola com ela nos mágicos e longos intervalos da Escola Americana de Santos, 30 minutos, mas eu ficava tomando aquele café da manhã gostoso com a moçada da turma mais velha. Mas ontem, no último dia, joguei com ela.
Horas mais tarde, na estrada de volta para Sampa, as imagens e sensações das tabelinhas com a Ana permaneciam como o sal sagrado após uma session de surfe. Como uma onda perfeita que a gente não esquece.
Foram tabelas e mais tabelas. Foram passes com afeto. Foram gols e alegrias sinceras. Foram nossas últimas brincadeiras na escola que foi o lar dela por tantos anos. Na escola que ela aprendeu a amar. Talvez por isso a Ana conheça tão bem cada cantinho daquela quadra. Mas não é por isso que ela joga tão bem. A menina é um talento natural raro. Nasceu para jogar bola. Incrível como parece flutuar pela quadra numa aceleração de bailarina que é jogadora de futebol. Incrível sua objetividade, seu jogo vertical em direção ao gol. E sua humildade ao achar que não joga bem.
Acorda, minha querida aluna e parceria desse jogo tão belo, você é especial também com a bola nos pés. Por isso acredito tanto que seu sonho de jogar bola e estudar fora vai dar certo. Porque ontem eu e você jogamos como se estivéssemos surfando. As ondas nasceram, como mágica, de nossas jogadas, de nossa vontade. Da nossa vontade de partilhar a bola como se estivéssemos lá atrás esperando as ondas mais bonitas.
Obrigado por essa partida que ficará em minha memória talvez para sempre. Como poderia esquecer a minha última onda na EAS?
Vai fundo, artista, você surfa com a bola nos pés.
Um cachorro na esquina
O que o cão devia pensar da vida apressada, estressada e cinzenta dos paulistanos? Qual o sentido de estarmos sempre em movimento, mas sentados dentro de um estúpido carro ou ônibus, veículos ou sem graça (o carro é a solidão em 4 rodas e anda cada vez mais caro) ou desconfortáveis e ultra barulhentos (buzão)? Sorte de quem pode curtir o conforto e barulhinho gostoso do metrô, que ainda permite ver as pessoas, até dar uma secada na mulherada, mas isso, claro, longe do horário de pico e das proximidades das estações Paraíso ou Sé... e longe do isolamento dos mps3´s e iPods, esses castradores do contato e relacionamento humano, mas isso é assunto pra outro post...
Volto ao cão e seu olhar triste de desconsolo com si próprio e com essa neurótica humanidade da grande cidade. A visão que levaria pra minha casa seria de tristeza e pena, de nós e do bichinho, mas aí eles apareceram. A pé, claro. Ele, aquele típico sangue bom de bem com a vida, andando com uma mulher e fazendo-a sorrir. Ela, uma bela gata que sabe sorrir fácil e sincera. Pois ela passou do lado do bichinho, falou algo com ele e foi então que o cão mais triste do mundo deu o olhar mais bonito e doce do mundo. Ele virou o pescoço, ela seguia falando com ele enquanto caminhava e o olhar do bichinho era uma explosão de amor à primeira vista e carinho pidão.
O sinal abriu, tive que vazar. Mas tenho certeza que aquela bela moça, em todos os sentidos (até na blusa amarela alegre que usava), retornou um passo e fez um cafuné gostoso e inesquecível no bichinho. Depois ela teve que voltar ao seu trabalho e o cãozinho deve ter ficado parado ali na frente daquela portinha horas e horas esperando-a voltar.
Ela não volta e ele tem que voltar, se arrastando e com o velho olhar triste, pra dentro daquela portinha toda zoada e mal cuidada. Ou fica parado de novo olhando a estupidez e violência do transito e dos humanos (?) que não falam com ele nem dão uma paradinha pra lhe fazer um agrado.
Eta vida besta. Mas, graças a Deus, o mundo voltará a girar quando outra bela mulher ou criança pura parar naquela esquina para acarinhar o cachorro que parecia um santo abandonado esperando para que se provasse que a humanidade está perdida de vez ou ainda tem salvação.