sexta-feira, dezembro 05, 2008

O Namorado das Ondas


Sempre o maior campeão. Mantendo a simplicidade, humildade e alegria dos tempos de garoto. Kelly Slater não muda. Nunca fez pose, não usa máscaras. O mar não usa máscaras, não se esconde, está lá fora, bombando, vivendo. O mar, o reflexo dos olhos azuis e do caráter nobre do maior surfista de todos os tempos.
Seis vezes campeão mundial, Slater é maior que títulos ou recordes. Será lembrado não “apenas” por seu talento absurdo – ninguém conjugou tão bem velocidade, força, estilo, risco, inovação e performance em qualquer tipo de onda como ele – mas também por seu caráter elevado.
Raros dominaram tanto um esporte como o garoto crescido nas merrecas de Cocoa Beach, da sua Flórida natal. Mas diferente de um Michael Jordan no basquete ou um Pelé no futebol, homens que viraram marcas, Slater permaneceu sempre um surfista.
Um cara simples que, mesmo sendo um super herói das ondas, é capaz de admitir sua fragilidade, de um homem como tantos outros buscando sentido para a vida. Como falou há alguns anos na revista Trip:
“O surf não preenche a vida de ninguém” (sobre a vida de competidor)... “Eu não estaria bebendo até as sete da manhã se estivesse realmente feliz” (sobre uma noitada em Maresias, julho de 2000).
Um campeão humilde, que não se considera o maior da história, como afirmou em O Globo, em 1997, dizendo que não se podem comparar surfistas de épocas diferentes e ainda afirmando que não pode ser o maior, “se um Mark Occhilupo tem a melhor batida de backside que eu já vi”.
Certo, Slater, mas é óbvio que você é o mais completo da história, como demonstram seus títulos e performances que aproximaram demais o surf das obras de artes sublimes como a pintura, a dança e a música.
Um artista e também um guerreiro, como provou na melhor bateria de campeonato da história, a semifinal do Pipe Masters de 1995, em que enfrentou [na verdade, comungaram juntos] seu amigo e outro artista genial, Rob Machado. Ambos dominaram tubos incríveis nas sagradas e perigosas ondas grandes tubulares de Pipeline com uma classe, estilo e soberania que nenhum outro alcançou depois. Foram se alternando na liderança da bateria com uma sucessão de notas dez ou quase, em drops de abandono e encontros com saídas de tubos impossíveis. Slater venceu, mas teve a dignidade de, no meio da disputa, cumprimentar com um aperto de mão uma onda surreal do amigo.
“Observar o seu ato não nos inspira a surfar, porque nem em nossa imaginação podemos surfar como ele” (Jason Borte). Surreal Kelly Slater, aquele que surfa mais do que nossas fantasias. E que também não tem medo de tornar sonhos realidade, como fez com sua outra paixão, a música. O cantor Slater foi malhado por boa parte da crítica, mas quanta poesias e violões encantados existem no álbum “Songs from the Pipe”, que gravou junto de Machado e de Peter King. Há muito sentimento ali, em baladas cativantes como “Never” e “Not Your Slave”. Esta última tem um ritmo, harmonia, fluidez e impacto que parece reproduzir uma session do próprio Slater.
Sessions que serão sempre bonitas como uma história de amor, pois esse mito é um espelho perfeito para o conceito de surf de seu brother maior, Rob Machado: “surfar é como se apaixonar”.
Um dia, lá nos confins da infância, as ondas do mar se apaixonaram por um garoto chamado Kelly Slater...
(27/03/2004)

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