sábado, dezembro 06, 2008

A onda perfeita



[Um ex-aluno, futuro jornalista, me pediu para dar um depoimento sobre o que é dar aula, para uma reportagem sua. Tentei então esse texto.]
Dar aula? Sobretudo é ouvir e aprender, se importar. Existem professores de Redação que apenas lêem e corrigem a gramática e forma dos textos. Esquecem o mais importante: ouvir os corações por trás dessas palavras. Ouvir corações? Que outro professor recebe vidas desnudas, esperanças, medos e sonhos, alegrias e tristezas em folhas de papel?
Sim, é delicado nosso papel, talvez responsabilidade demais ter um pouquinho de vidas depositadas em nossas mãos. Mas temos que ter a coragem de conversarmos com os alunos através dessas mesmas redações. Tradução: atenção. Por isso, não corrijo apenas, procuro sempre deixar um comentário para o aluno. Às vezes incentivo um talento, às vezes apenas tento demonstrar um abraço - um “conta comigo” – se percebo tristeza ou medo. “Ah, os alunos devem superar seus medos e problemas sozinhos”, dirão os céticos. Mas não custa nada, e creio ser fundamental, apontar alguns caminhos ou alternativas.
Vital também é dar forças e encontrar qualidades [todos têm!] naqueles que têm maior dificuldade em escrever. Onde algum outro poderia encontrar apenas erros gramaticais e talvez um desenvolvimento precário do texto, se enxergo um pensamento maduro, consciente ou um belo valor, valorizo isto demais. Porque são poucos os que tiveram a facilidade de ter pais amantes da literatura e da leitura. E também porque, às vezes, num texto mal escrito, mas sentido com beleza, força ou indignação [ou tudo isso junto], podemos aprender e nos emocionar.
Aprender. Um professor que não aprende a cada aula com seus alunos está na profissão errada. Como fazer isso? Escutando, dando oportunidades, chegando perto daquele que quase não fala [mas que grita com os olhos] e pedindo, sem alarde, que se exponha.
É preciso fazer das aulas atos religiosos. Não, não falo em sermões de missa, e sim no aspecto sagrado da comunhão. Precisamos todos, professor e alunos, comungar do mesmo objetivo: aprender com respeito, atitude, amor e muita, muita garra. Aí está o lado sagrado da educação em que acredito. Chega através de aulas dinâmicas, alunos entusiasmados, discussões acaloradas sobre temas relevantes e no final, o silêncio da hora de escrever. Pronto, acontecem assim belos momentos, até inesquecíveis, tão cheios de sentido e criação.
Aulas como essas, que acontecem tantas vezes!, me dão a sensação de estar lá fora no mar, esperando as ondas enquanto converso com um amigo de vida toda. E como surfo, enquanto escuto as palavras dos alunos nos debates ou leio seus textos. Encontro em sala de aula a tão sonhada onda perfeita.
Essas são as aulas em que acredito, cujo símbolo maior que encontro é um ato que comecei a fazer por necessidade de me posicionar na mesma altura que meus alunos, que estão sentados: quando me chamam - olhos brilhando de curiosidade, querendo dizer algo ou apenas pedindo ajuda para um início de redação – não peço, algumas vezes, que venham até a “mesa do professor”. Vou até lá, me agacho, ou me ajoelho e dou uma respirada, mirando seus olhos. Nessa posição, eu e eles parecemos aprender juntos. Por um texto, sentimento. Por um significado. Pela vida. Aos alunos com carinho.

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