domingo, janeiro 25, 2009

Quando a beleza venceu a guerra


A película francesa Feliz Natal não é apenas um filme. É uma das mais belas lições de dignidade, tolerância e humanidade que esse mundo presenciou. Falando da mãe sinistra de todas as guerras, a I Guerra Mundial, Feliz Natal conta a história real da mais bela paz com que os homens de bem sempre sonham. Em plena batalha nas trincheiras das fronteiras da França lutam os soldados aliados franceses e escoceses contra os alemães. A missão de cada exército é eliminar o inimigo, mas algo diferente, em plena véspera de Natal acontecerá naquele dezembro de 1914. Algo tão belo e humano que seria depois condenado pelos generais de cada país envolvido. Porque aos generais, aos senhores da guerra, só interessa o avanço sobre o inimigo, a destruição e a morte.
Graças que entre aqueles soldados e seus oficiais comandantes havia alguns homens que sabiam apreciar a beleza da arte, qualquer idioma que essa arte falasse. E cada homem grande desse contaminaria para a beleza e o bem centenas de outros. Contar mais estragará a força desta obra vital para todos aqueles que ainda não perderam a esperança na paz cada vez mais distante nesse mundo intolerante em guerra.

terça-feira, janeiro 20, 2009

O craque que escutou o coração


A notícia parece absurda e incompreensível em tempos em que o dinheiro parece mandar em tudo, em especial no milionário futebol europeu. Mas o absurdo é apenas a coragem, dignidade e honra de um craque e ídolo que acaba de virar deus em Milão. Kaká preferiu ficar no Milan em vez de receber uma fortuna indecente só na transferência para o Manchester City inglês. Preferiu ficar junto do clube e torcida que aprendeu a amar. Preferiu ficar onde sua família se adaptou tão bem. Preferiu coisas mais raras ainda, em se tratando de uma super-mega-estrela do futebol: ouvir o próprio coração e ser fiel a um clube que tanto o apoiou. Bem diferente de Robinho, que deu um pé na bunda do Real Madrid e foi para a City pensando exclusivamente em dinheiro, e também de Ronaldo, que um dia fez o mesmo com o clube que mais lhe deu forças na vida, a Inter de Milão, Kaká honrou o amor que declarou ao Milan várias vezes. Mais que isso, contrariou até um provérbio ancestral: "todo homem tem seu preço".
O preço de Kaká é sua dignidade e valentia de trocar milhões a mais por amor. É também sua sabedoria em saber valorizar o clube diferenciado em que está, repleto de grandes craques e homens fora de série como Paolo Maldini, lenda viva do clube, Genaro Gattuso, o leão da equipe, entre outros.
Imagino que em algum momento dessa novela Kaká-Manchester City, Kaká deve ter procurado o eterno capitão Maldini e perguntado qual o valor e sensação de jogar a vida toda pelo Milan. Alguém acha que Maldini pode ter falado outra coisa que um carinhoso "fica, bambino"?
Numa tão passional Itália, desde ontem não tem mais Ferrari, Papa, macarrão, pizza, Leonardo da Vinci, não tem pra ninguém: o novo homem mais amado de Milão e sim, de toda a Itália, é Kaká. Até mesmo os torcedores adversários devem estar orgulhosos de serem contemporâneos de um craque que trocou os milhões e milhões das arábias (de onde vem a grana preta do City) pela bella Itália.
"Alla fine ha contato la mia storia, dove sono legato e dove è in realtà il mio cuore" (No final pesou a minha história, onde eu cheguei e onde na verdade está o meu coração), disse Kaká à mídia italiana.
Bravo, Kaká, e que puta cuore (coração) !!!!!
* Segue abaixo uma canção perfeita para Kaká. Beatles. Can´t buy me love.

domingo, janeiro 18, 2009

A agonia de Jade


Há um ano e meio ela era a namoradinha do Brasil, campeã panamericana no Rio e esperança em Pequim. Hoje, Jade, apenas 17 anos, sofre com uma gravíssima lesão no punho, não poderá treinar forte e competir durante um ano, e não recebe salário do seu clube, o Flamengo, há um ano, e ainda sofre com o descaso e os erros da Confederação Brasileira de Ginástica (CBG). Essa entidade, que fez seguidos exames nela durante todo o ano passado, simplesmente não constatou a gravidade de sua lesão, uma necrose causada por múltiplas fraturas seguidas, no pulso direito. Mais grave ainda é que Jade era acusada pelo médico da CBG de fazer manha. Se era manha, porque o médico lhe mandava tomar remédios 3 vezes por dia na preparação para a Olimpíada e durante os Jogos de Pequim?
Por isso tudo a carreira de nossa mais promissora ginasta está ameaçada. Pra piorar, Jade depende hoje praticamente da caridade do médico que a atende e de uma farmácia, que lhe dá os remédios que precisa tomar pra dor. Assim é tratada um dos poucos grandes talentos do esporte olímpico brasileiro.
“O meu pai quer que a CBG (Confederação Brasileira de Ginástica) pague o tratamento, que é caríssimo. No momento, estou me tratando porque as pessoas estão me ajudando. Eu vou comprar um remédio na farmácia e me dão em troca de uma camisa autografada. Estávamos pagando o médico, mas ele decidiu que vai me ajudar a partir de agora” explicou Jade no jornal Lance. Ela aguarda a avaliação de um especialista americano para saber se viajará ao país para se tratar. Mas como ela poderá pagar esse tratamento? Por que o milionário Comitê Olímpico Brasileiro não assume o futuro dessa menina especial?
Vejam abaixo uma entrevista com Jade no Esporte Espetacular em que ela revela mais sobre sua ansiedade, medo e revela ainda estar sendo acompanhada por um psicólogo pra segurar essa barra pesada.

sábado, janeiro 17, 2009

A dor do Brasil


O ídolo e artilheiro do time, o zagueiro boa praça e o preparador de goleiros morreram. Muitos outros jogadores ficaram feridos, alguns gravemente. A dor do Brasil de Pelotas, time de futebol tradicional do RS, dono da torcida mais apaixonada do interior gaúcho, comoveu o sul do país. O belo texto abaixo, assinado pelo brilhante jornalista do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, conta e imagina como foram os últimos momentos de Cláudio Milar, o uruguaio que era o maior ídolo da história do clube e faleceu no acidente de ônibus da última madrugada da sexta-feira:

Milar morreu como centroavante
Por DAVI COIMBRA

No dia em que ia morrer, Claudio Milar marcou um gol.

Não foi um gol importante.

Aconteceu em um amistoso vulgar de pré-temporada, contra o Santa Cruz.

Também não foi um gol especialmente belo. Foi de pênalti. O que até é de se estranhar. Depois de desperdiçar um pênalti na decisão da Copa Amorety, em 2007, Claudio Milar prometeu nunca mais bater uma penalidade máxima na vida.

No dia em que ia morrer, mudou de ideia.

Por quê? O que levou Claudio Milar a cobrar um pênalti num jogo sem relevância alguma, quase sem público, distante da torcida xavante, um jogo em que sua camisa nem sequer trazia às costas o número 7 que o consagrou? Terá sido algum tipo de premonição? Será que Claudio Milar sentiu que naquele dia, o dia em que ia morrer, ele precisava fazer um gol?

Talvez. Porque Claudio Milar parecia concentrado como se disputasse uma decisão, quando cobrou aquele pênalti. Correu olhando firme para a bola, sem vacilar, bateu nela com a chapa do pé direito, e a bola saiu obediente, precisa, inapelável. Claudio Milar fez uma cobrança clássica: bola rente à grama, na diagonal, rumo ao canto da goleira. Uma cobrança dessas é indefensável. A bola invariavelmente dorme no último vértice da goleira. E foi lá que ela dormiu, depois de ter passado por baixo do corpo do goleiro.

Claudio Milar cumpriu sua obrigação de goleador. Marcou o gol que seria o último dos seus 34 anos repletos de gols. Mal festejou, após marcá-lo. Deu as costas ao goleiro abatido, rojado à grama rala, e correu com os companheiros para o meio do campo.

O último gol. Um gol de pênalti. Não poderia ser mais perfeito. Pois o pênalti é uma execução. O pênalti é o ato mais cru do artilheiro. Lá estão ele, o goleador, e seu arqui-inimigo goleiro. Entre os dois, a bola. A essência. O resumo do futebol. Não foi à toa que o Gol Mil de Pelé foi marcado em um pênalti. Os deuses do futebol sabem o que fazem.

Horas depois de seu pênalti derradeiro, Claudio Millar embarcou no ônibus que o levaria para a sua última viagem. Agora, a torcida xavante, transida de dor, pergunta-se como morreu seu maior ídolo, o índio guerreiro Claudio Milar. É fácil responder: Claudio Milar morreu como centroavante.
* (abaixo coloco o vídeo-homenagem que os poloneses do Pogon, onde Milar também foi ídolo, criaram em sua despedida):

sexta-feira, janeiro 16, 2009

Mar, o amigo que não falha


Diferente dos amigos, o mar está sempre lá, braços e ondas abertas nos esperando. Diferente dos amigos, de quem às vezes esperamos um simples convite, “passa aqui”, o mar sempre nos convida.
Diferente dos amigos, o mar, especialmente em picos tão constantes como o Guarujá, sempre está pronto para nos divertir, vibrar, viver.
Na última segunda-feira, se a maioria dos picos do litoral paulista estavam flat como os amigos que nos esquecem, as Pitangueiras ofereciam um surfe de qualidade. Ondas pequenas mas lisas e fortes. Ondas mágicas. Ondas sem crowd. No Guarujá, em pleno Maluf? Sim, pois crowd só existe pra surfista baladeiro ou preguiçoso que não acorda cedo.
Cedo, nas madrugadas insuperáveis da vida; nos cafés da manhã com sol nascendo nos alimentando das ondas.
Cedo, aproveitando a mágica das ondas solitárias ou com alguns gatos pingados que entendem o valor de madrugar.
Sim, depois o Maluf cedeu, o tamanho caiu ainda mais, mas numa surf city única, sempre há uma opção. Bora então pra Pernambuco, que permitia gostosas valas para o longboard ou fun.
No último dia, na última manhã, antes de ir embora, cedinho (claro), olho com fé para o Maluf. Pequenas demais. No entanto, belas demais, como uma Malibu pequena perfeita. Por isso um artista, surfista franzino elegante, não parava de flutuar cheio de estilo, fazendo bicos mágicos.
O cara me fez abortar a absurda idéia de ir embora sem ao menos dar uma queda de despedida das férias.
Logo estava ali, com apenas mais três longboarders. O artista, um local jovem mal encarado e um cara de sorriso fácil que entende o que é compartilhar. O cara que descobri ser o Eduardo, surfista de Sampa que vive em Curitiba e, de férias no Guaru, veio caminhando da Enseada até as Pitangueiras com seu pranchão enorme debaixo do braço.
Nas costas do Eduardo, a lycra http://www.penobico.com.br. No surf dele, longos passeios e na volta pro pico a camaradagem de quem sabe que o surfe é muito melhor com o alto astral e respeito no pico.
Logo ficamos só nos dois no pico enquanto o artista e o enfezado saíram. Parecíamos na mesa do boteco tomando umas salgadas esverdeadas e trocando idéias sobre belas musas do sul como Ilha do Mel, São Chico e outras. E o Eduardo ainda mandou uma de brother do peito ao revelar um secret especial. Coisas de quem entende o que é surfar. E o que é uma amizade salgada, mesmo de uma session só.
Fui embora dessa Pitangueiras mágica já querendo voltar e agradeço a outro amigo, que me descolou seu apê para eu redescobrir as ondas que, 20 anos atrás, foram as minhas primeiras.
O mar, os surfistas amigos e os amigos que nos convidam, que nos dão um teto para podermos acordar já dentro d´água, são algo valioso demais.
Obrigado aos que sabem convidar e compartilhar.
Que 2009 traga ondas e experiências de amizade verdadeiras como esse janeiro especial no Guarujá.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Marley e Capitu


As pessoas que amamos devem ser livres, e isso inclui nossos cães. Por isso eles devem poder fazer tudo o que querem. Devem ser eles mesmos, sem as manias opressivas de controle impostas pelo homem. As manias militares que vejo toda vez numa praça perto de casa. Ali “donos” e “donas” ditadores obrigam seus cães a pegar coisas, a andar em passadas ritmadas, a ficarem quietos e uma série de comandos. Muitos pensam ser superiores a seus cães, por isso se acham “donos”. Não sabem como seriam mais felizes se deixassem seus bichinhos serem eles mesmos e cometerem todas as suas loucuras que são apenas travessuras de almas selvagens-infantis. É isso o que sempre fez o insano labrador Marley, que jamais foi servo de seus “donos”, mas sim um companheiro fiel, mais que isso, um ser da família.
Por isso Marley ajudou seu parceiro humano, o jornalista John Grogan, a se tornar um colunista famoso. Porque Grogan criou uma coluna de crônicas sobre o cotidiano em que Marley quase sempre fazia uma participação especial. Porque Marley era um cão especial, único, e não esses bichinhos amestrados sem graça que se proliferam pelas praças e parques dos seres humanos “civilizados”. Por isso o livro Marley e Eu foi um sucesso mundial, assim como está sendo esse delicioso filme que faz rir e chorar nos cinemas. Porque Marley não tem freios morais e adestradores (bom, na verdade até tentaram levá-lo a uma aula.. em que ele foi expulso depois de enlouquecer a adestradora...). Porque Marley, “o pior cão do mundo”, alcunha com que Grogan o chama algumas vezes pelas diabruras, é na verdade apenas um cão que deseja viver e amar intensamente. Por que será que o cão mais estabanado do mundo de repente para quietinho na frente dos bebês do casal (sim, Grogan vai ter três com sua esposa) sem machucá-los. Por que o cão mais doido do planeta de repente dá um tempo de comer até o assoalho da casa e bota sua cabeça no colo da mulher que acaba de perder aquele que seria seu primeiro filho?

Marley é adorável porque contraria as ordens e paranóias humanas. Minha pequena dálmata gordinha insana Capitu se apaixonaria facilmente por ele.
A Capitu para quem um dia joguei uma bolinha e ela apenas acompanhou com os olhos e cabeça e depois olhou para mim como se eu fosse um idiota, como na verdade era pedir que ela pegasse a bolinha.
A Capitu para quem eu grito “desce!” e ela deita e fica me olhando com a maior cara de sonsa do mundo.
A Capitu para quem eu falo firme “fica aqui!” e ela sai correndo para procurar comida no pé da árvore e na moita onde sempre tem alguma coisa.
A Capitu para quem eu grito “larga isso!” e ela olha pra mim encapetada antes de devorar meio mamão inteiro que o velhinho da praça não desconfia que não são os passarinhos que comem o papaya mas sim uma dálmata legítima: esfomeada 24 horas por dia. Detalhe: o meio mamão é apenas parte da mamãozada que não deixo ela comer tudo.

A Capitu que pula no meio das minhas pernas enquanto eu tento fazer abdominais no banco da praça.
A Capitu que se enfia por baixo da minha cabeça e lambe minha testa enquanto tento fazer flexões.
A Capitu que na hora em que os outros dois dálmatas finalmente foram dormir e ficaram quietos resolve dar sua uivada tradicional feito um lobo das estepes toda santa noite.
A Capitu que, nos dias de calor, eu ordeno “fica deitada aí!” (fora da casa) e ela fica até eu sair do campo visual dela e desembestar pela casa feito um furacão, subir as escadas feito um bólido e descer, invariavelmente, com uma meia branca na boca.
A Capitu que só entende, por alguns segundos, uma coisa: uns tapas na bunda. Que logo ela esquece para aprontar mais uma de novo.
A Capitu que deve ser o único cachorro do mundo que de repente fica com saudades da sua casa, pega a guia com a boca e sai correndo da praça em direção à casa enquanto eu saio correndo atrás dela.
A Capitu que ama sua casa e seu dono com a liberdade e loucura que os cães adestrados perdem um pouco pela mania de controle de seus donos neuróticos.Viva Marley e Capitu!