sábado, janeiro 17, 2009

A dor do Brasil


O ídolo e artilheiro do time, o zagueiro boa praça e o preparador de goleiros morreram. Muitos outros jogadores ficaram feridos, alguns gravemente. A dor do Brasil de Pelotas, time de futebol tradicional do RS, dono da torcida mais apaixonada do interior gaúcho, comoveu o sul do país. O belo texto abaixo, assinado pelo brilhante jornalista do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, conta e imagina como foram os últimos momentos de Cláudio Milar, o uruguaio que era o maior ídolo da história do clube e faleceu no acidente de ônibus da última madrugada da sexta-feira:

Milar morreu como centroavante
Por DAVI COIMBRA

No dia em que ia morrer, Claudio Milar marcou um gol.

Não foi um gol importante.

Aconteceu em um amistoso vulgar de pré-temporada, contra o Santa Cruz.

Também não foi um gol especialmente belo. Foi de pênalti. O que até é de se estranhar. Depois de desperdiçar um pênalti na decisão da Copa Amorety, em 2007, Claudio Milar prometeu nunca mais bater uma penalidade máxima na vida.

No dia em que ia morrer, mudou de ideia.

Por quê? O que levou Claudio Milar a cobrar um pênalti num jogo sem relevância alguma, quase sem público, distante da torcida xavante, um jogo em que sua camisa nem sequer trazia às costas o número 7 que o consagrou? Terá sido algum tipo de premonição? Será que Claudio Milar sentiu que naquele dia, o dia em que ia morrer, ele precisava fazer um gol?

Talvez. Porque Claudio Milar parecia concentrado como se disputasse uma decisão, quando cobrou aquele pênalti. Correu olhando firme para a bola, sem vacilar, bateu nela com a chapa do pé direito, e a bola saiu obediente, precisa, inapelável. Claudio Milar fez uma cobrança clássica: bola rente à grama, na diagonal, rumo ao canto da goleira. Uma cobrança dessas é indefensável. A bola invariavelmente dorme no último vértice da goleira. E foi lá que ela dormiu, depois de ter passado por baixo do corpo do goleiro.

Claudio Milar cumpriu sua obrigação de goleador. Marcou o gol que seria o último dos seus 34 anos repletos de gols. Mal festejou, após marcá-lo. Deu as costas ao goleiro abatido, rojado à grama rala, e correu com os companheiros para o meio do campo.

O último gol. Um gol de pênalti. Não poderia ser mais perfeito. Pois o pênalti é uma execução. O pênalti é o ato mais cru do artilheiro. Lá estão ele, o goleador, e seu arqui-inimigo goleiro. Entre os dois, a bola. A essência. O resumo do futebol. Não foi à toa que o Gol Mil de Pelé foi marcado em um pênalti. Os deuses do futebol sabem o que fazem.

Horas depois de seu pênalti derradeiro, Claudio Millar embarcou no ônibus que o levaria para a sua última viagem. Agora, a torcida xavante, transida de dor, pergunta-se como morreu seu maior ídolo, o índio guerreiro Claudio Milar. É fácil responder: Claudio Milar morreu como centroavante.
* (abaixo coloco o vídeo-homenagem que os poloneses do Pogon, onde Milar também foi ídolo, criaram em sua despedida):

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