quarta-feira, fevereiro 03, 2010

Os segredos de Anchorena


Redescubro esse lugar quase por acaso, paro aqui porque vi da janela do trem belas árvores e aquilo que tanto me tranquiliza: um rio vivo. Desço aqui e percebo que já estive antes, anos atrás, junto da menina tão sinônima de vida.
O calor pesado me faz procurar abrigo na cafeteria e percebo que estive lá com ela, num inverno. Dessa vez, troco o café irlandês (com whisky) por um cortadito (cafezinho com pingada de leite). Cai bem, e melhor ainda caem as belas canções que tocam numa estação de rádio clássica. Rola R. E. M, “If you believe” (se você acredita). Perfeito, pois esse lugar me faz acreditar numa vida melhor.
Uma boa canção, céu azul-mergulho, verde com sombras, um rio povoado de estrelas brancas – veleirinhos ou como diria minha sábia mãe, um nome mais afetuoso: barquinhos à vela; pessoas largadas a “charlar” (conversar), tomando sol, fazendo piquenique, lendo. Ou gente apenas olhando o rio com ganas de mar, pensando na vida ou esquecendo dela. Aqui diante dessa natureza tão bem integrada à cidade (“igualzinho” a São Paulo...), pois cuidada pelo homem, só posso dizer que toda essa gente é gente vivendo.
Gente das mais diferentes vidas, porque aqui na estação de trem Anchorena, no caminho de Buenos Aires ao Tigre, a elite e o povo convivem em harmonia, sem medo, ódio ou rancor. Talvez porque falo de um domingo de sol neste lugar-parada de trem especial. Mais que isso, trata-se de um refúgio contra o stress e labuta cotidiana ou contra a raiva. Porque amanhã, segundona, o povo será povo de novo e a elite mandará e os oprimirá de novo. Mas ficará um pouco da placidez e sabedoria desses caminhos verdes debruçados sobre o rio da Prata.
Ficará o conforto desse banco de madeira protegido por uma sombra aconchegante.
Ficará a possibilidade de mais um próximo domingo de paz regado a verde, água e “conversas jogadas fora” mas dentro da alma. Dentro da alma porque vejo homens e mulheres se falando com vontade e afeto, sem outros interesses que não seja o debruçar-se sobre o outro como esse rio vivo que nos alivia.
Segundos após acabar esse texto, toca The Doors (o alto falante leva o som também para fora da cafeteria), Riders on the storm, para nos lembrar das batalhas e tempestades que virão e, como não, dos amigos e amigas distantes que um dia compartilharam com a gente simples mas mágicas viagens.
Anchorena, anos e anos atrás. Essa sempre soube viver.

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