quarta-feira, março 31, 2010

Adeus, Poeta


Quem já praticou com paixão alguma modalidade e encontrou nos campos, quadras, piscinas e pistas o prazer, alegria e lições incomparáveis do esporte sabem o que o Mestre Armando Nogueira tão bem sintetizou: “O suor na pele do atleta são lágrimas que o corpo chora na alegria do esforço”.
Todo jovem que sonha em escrever deveria mergulhar em seus textos para aprender a perceber e descrever a arte, poesia, beleza, paixão e humanidade que os atletas, treinadores, seus gestos e jogadas podem proporcionar. Essa foi a missão bem-sucedida de Mestre Armando Nogueira.
Mestre também porque desafiou a modernização da linguagem dos jornais: contra o novo e insosso texto – frio, objetivo e imparcial - que os jornais adotaram a partir do final dos anos 70, Armando manteve seu estilo elegante e prosa poética, muitas vezes em 1ª pessoa.
Escrevendo assim o Mestre mostrou que, para quem realmente entende e ama o esporte, a poesia é mais verdadeira que a simples transmissão dos fatos. O que é mais verdadeiro? Descrições objetivas cheias de números sobre o futebol ou as pequenas amostras que coloco a seguir de Armando falando sobre os deuses do esporte?
“Para Garrincha, a superfície de um lenço era um latifúndio.”
“A bola é uma flor que nasce nos pés de Zico, com cheiro de gol.”
“A bola em si, ela é um elemento fascinante, é um brinquedo sedutor, é um brinquedo mágico, que adiciona poesia e lirismo na sua relação com o homem.”

Mestre ele foi também porque mesmo sendo, nas últimas décadas, o único gênio da crônica esportiva, era também simples, humilde e humano. Como bem lembrou o maior lateral esquerdo que esse país já teve, o monstro Júnior, ex-Flamengo, Armando lhe ensinou que “é possível elogiar sem bajular e criticar sem ofender”.
Criticar sem ofender. Quantos praticam isso no jornalismo esportivo hoje? Desconheço e faço a mea culpa, por viver, por exemplo, detonando muitos jogadores de meu time de coração. Quisera eu ter um pouquinho dessa elegância e dignidade do Mestre.
Por outro lado, procuramos mostrar, alguns de nós, a lição talvez maior do Mestre. No Globo, Fernando Calazans expressou bem isso: “O homem e o jogo, a bola e a poesia, a glória e a miséria. Numa palavra, a vida. De cada jogo, Armando extraía a vida, e era dela que estava falando quando comentava o outro.” Essa a grande lição: ver num simples lance ou gesto esportivo provas da existência. Mais que isso, provas de nossa humanidade.
Pena que Armando talvez tenha partido meio triste com o atual futebol brasileiro (com exceção do futebol dos meninos da Vila), onde, segundo Fernando Calazans, os jogadores viraram mais é “onze peças de um time que os treinadores manejam como se fossem objetos decorativos, desenhos táticos em que homens viram traços em pedaços de papel – nada disso existia em sua visão lírica e simples”. Por outro lado, o jogo mágico do Barcelona de Messi, Xavi e Iniesta lhe deu o prazer de partir vendo o resgate do futebol dos sonhos. Os sonhos que ele soube tão bem mostrar que eram na verdade a realidade de quem tinha a coragem de lutar em nome da beleza.
A beleza que Armando soube também captar e traduzir de outras modalidades, como o basquete, vôlei e tênis. E, claro, das atletas mulheres que ele sempre reverenciou por não resistir à beleza multiplicada por mil no corpo e sensibilidade das guerreiras e deusas das quadras e campos.
Adeus, Poeta, e mande lembranças aos outros Mestres do Esporte lá em cima, Telê, Mané, Nelson Rodrigues, Mário Filho, gente tão grande e humana como você.

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