quinta-feira, novembro 25, 2010

A última canção


   Todos os dias quando acordo
   Não tenho mais
   O tempo que passou


A última canção e as últimas perguntas são sempre as mais duras.
Partir, para eles, é sempre duro.
Ficar, para mim, é sempre duro.
Sim, fico feliz por perceber como eles e elas cresceram. E como ganharão o mundo. Mas a gente, o suposto adulto mais maduro, não está preparado para certas perguntas:
“Como será a minha vida a partir do ano que vem, sem suas músicas, seus textos, suas palavras e abraços?”, assim ela perguntou na última redação.
Não sei.
Não sei, sobretudo, como será a minha vida sem seu sorriso preguiçoso das 7 da manhã. Sem seu olhar indecifrável (nunca descobri se era sono, um “não tô entendendo nada” ou “pode falar que eu tô pensando fundo” hehe).
Sem seu abraço, tão forte e sincero, que reunia cada pedacinho dolorido e colava o mais partido dos homens.

De repente estavam todos vocês escrevendo.
De repente eu queria que suas folhas de papel não terminassem nunca.
De repente acabou.
De repente eu li:
“Você me ajudou a melhorar, a mudar”

Vai, garoto, sempre em frente!

De repente minha cachorrinha cega largou o sofá lá de baixo e apareceu aqui em cima pra ficar comigo. A mesma cachorrinha do notebook com que eu tocava as canções pra vocês.
Não sei o que a Capitu quis me dizer. Só sei que existirá um dia um avanço tão grande nas comunicações e no coração humano que antigos alunos que quiserem ver seu antigo professor poderão simplesmente pensar e aparecer. E o professor simplesmente sentará no chão com eles, baterá aquele papo, tentará dar algumas indicações e tocará mais alguma canções.
E o professor ainda dirá: “pega uma folha de papel...”. E o antigo aluno ou aluna simplesmente começará a escrever no caderninho que trouxe da nova vida de onde veio.

Só sei que não haverá mais
a menina tímida e guerreira tentando se expressar e mostrar o quanto gosta da gente, mesmo se eu a zoasse sempre com a mesma tolice da mostarda e tirando onda da sua paixão pelos mangás;
o moleque meio grosso e metido a durão, que na verdade era um ser tão leal quanto a própria definição de lealdade, por isso ele tentou dizer tanto no último dia, ele não queria que acabasse;
a pequenina mais tímida ainda, que lá do seu silêncio recebia cada texto, filme e música com um grito interior; o grito de sua vontade de viver após encarar tantas adversidades;
o garoto contestador de tudo que um dia começou apenas a dialogar e ajudar a acordar uma turma toda com sua atitude;
a menina-âncora que não saía do lugar e não parava de falar enquanto semeava alegria e esquentava nosso corpo e alma com o mate quentinho que trazia de seu povo e coração;
a doce menina recém-chegada que tinha medo de mostrar a verdade de seu coração e um dia descobriu que “tenho certeza que não vim parar à toa aqui. Existia algum propósito...”;
o menino preguiçoso que várias vezes se transformava num mini rocky balboa pelo tamanho, enorme, de seu coração; o porão, o porão... já dizia o grande Rocky.
o moleque que mergulhava em cada debate com a mesma vontade e paixão que despejava no tatame de seus sonhos, e esse moleque ainda sabia, muitas vezes, me mostrar como essa aula era importante;
a menina mais sofrida, e mais valente, aquela que um dia teve a coragem de expor sua história de vida na frente de todos, porque seu professor debiloide que não tinha preparado aquela aula inventou de pedir para cada um contar a sua história, e ela seguiu tendo coragem de falar as coisas mais importantes;
A menina ex-emburrada que cada vez mais ia deixando a birra por aquele rosto sublime de quem olha com amor e recebe com amor. A menina que um dia lhe disse que tinha letra feia de homem e quase a perdi por isso. Sorte que naquele tempo ainda tínhamos aquela canção:
Temos muito tempo
temos todo o tempo do mundo


Sorte que um dia ela começou a escrever com uma beleza rara, mesmo com aqueles garranchos (haha, brincadeira!).
Sorte que um dia ela, que odiava ver meus vídeos, me disse que agora amava ver filmes, e teve questão de me dizer isso com uma gratidão no tom de voz e olhos que dizia tudo.

Não foi tempo perdido.
Nunca era com vocês.

“A próxima vez que te ver quero vê-lo muito muito feliz... espero poder ouvir você contar que ensinou surf para sua filha”, disse a guerreira da mostarda.

Sim, sonho com isso. Mas hoje, mesmo triste demais pela partida de vocês, sinto-me muito feliz por ter ensinado alguma coisa e, sobretudo, aprendido tanto, com vocês.

Então me abraça forte
E diz mais uma vez...

Obrigado por essas aulas-encontros-terapias inesquecíveis.
Obrigado por terem tornado essas aulas em experiências de aprendizados e amor.
Obrigado por tanta força e afeto sincero por seu professor.
Obrigado por suas últimas redações.
Obrigado por sua última frase, mas não sei respondê-la, minha querida:
“Vou sentir sua falta... e agora “quem é que vai nos proteger?”

PS – Esse texto é também para todos os outros que começaram o ano junto com a gente.
Para a menina que participava tanto e olhava como o coração tão transparente que ela tinha, e ainda tinha aquele maravilhoso sotaque engraçado.
Para a moça que mesmo tão bela tinha ainda mais bonito o olhar e suas palavras doces como música
Para a nossa querida ex-mais briguenta que um dia se transformou na mais meiga, e ainda tinha a coragem de torcer pela gente e dizer isso para nos animar
Para o cara que parecia ser mais reservado mas que um dia, após aquele filme do Che, percebi ser um grande coração sonhando com um mundo melhor, para todos
Para o mais vagabundo mas um vagabundo como Carlitos – humano, querido, engraçado e afetuoso como um filho.
PS 2 - O texto é também para todos os moleques e meninas especiais que um dia tiveram a honra de estudar, aprender e viver com essas pessoas inesquecíveis.

4 comentários:

  1. Você sempre foi especial... Lembra da garotada da EAS como te adorava?????
    Bons tempos!!!!
    Um forte abraço,
    Lu

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  2. Puxa, Zé, como sempre me afoguei nas lágrimas e quase não consegui terminar de ler...

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  3. É muito bom saber Zé, que nossos filhos tenham ao ser redor uma pessoa que consegue descobrir o lado bom de cada aluno, rebelde ou não...Parabéns pelo texto.

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