sexta-feira, fevereiro 04, 2011

O craque que venceu o tempo



A arte nos dá aquela sensação mágica de apreciarmos uma palavrinha fundamental, sim: beleza. Se o grande Vinicius pediu desculpas às feias dizendo que beleza é fundamental numa mulher, isso também vale demais para o futebol. Porque andava duro ter que ver futebol arte apenas pela TV, no Barcelona, ou a arte fantástica mas embalada numa máscara enorme daquele moleque do Santos e da sub-20. Por isso que nós, amantes do futebol refinado, sabíamos que o sarro dos que gozaram a idade dele era apenas momentâneo. Iria durar até ele estrear. Até ele honrar esta camisa 10 sagrada que já foi de monstros como Gérson, Pedro Rocha, Pita e Raí. Por isso que a chuva que caiu sem cessar ontem até a hora do jogo teria que parar. Por isso que o trânsito infernal, parado mesmo, que me fez abortar a primeira tentativa de ir ao Morumbi ontem, teria que mudar. Por isso que nessa primeira tentativa, quando voltei para casa, aquele final de filme de guerra foi tão simbólico: um mito chamado Burt Lancaster simplesmente enfrentou os nazistas quase sozinho para que eles não roubassem uma carga mágica de pinturas dos maiores da história, Degas, Monet, etc.
Ao ver um homem salvar parte da arte francesa que era universal, eu percebi que era preciso ir ao Morumbi de qualquer jeito, para ver o homem velho que nos devolveria a arte. Homem velho para os gozadores rivais e para Felipão e o Palmeiras, que o esnobaram. Porque no São Paulo, craques velhos transformam-se em vinhos especiais, únicos, inesquecíveis. Assim foi com Zizinho e Cerezzo, esse último que se autobatizou em sua monumental passagem pelo clube de vovô garoto.
Assim começou a ser com aquele que já foi o melhor do mundo e que foi o melhor jogador da campanha do Penta, Rivaldo. Com aquele que, 10 anos depois continua jogando o fino e mostrando ainda uma forma física que deveria fazer Ronaldo se envergonhar de vez.
A arte, a arte. O que foi mais bonito? A bola sutilmente enfiada no meio das pernas? O chapéu que ele inventou a partir de uma bola parada em seus pés? A tabelinha mágica? Suas batidas na bola nos passes com um gesto amplo, belo e perfeito como um Zidane brazuca? O gol maravilhoso em que chapelou o beque com a coxa antes de fuzilar o goleiro com seu tapa violento típico de canhota?
Para mim, mais bonito mesmo foi saber que o São Paulo tem como camisa 10 um dos raros super-craques humildes que o mundo da bola produziu. Uma super estrela que simplesmente se recusou a ser uma super estrela, por sempre ter se recusado a expor sua vida pessoal num marketing insuportável tão comum em outros monstros da sua mesma geração. Isto, termos um monstro da bola mas um homem tão pacato e correto, um exemplo de verdade dentro e fora dos campos, é o que para mim torna aplaudir Rivaldo uma experiência ainda mais bela.
Ah, como valeu a pena enfrentar o caos típico da São Paulo do fim de tarde, da mente estúpida dos “organizadores” do futebol brasileiro e mercenários da TV paga (a estreia de um mito às 19h30???) para ver o craque que venceu o tempo e a profecia do poeta Cazuza. Porque com Rivaldo, o tempo para, e por isso suas mágicas jogadas de ontem já entraram para a galeria de arte do Maior Clube do Brasil.
PS - Duro vai ser o velho Riva aturar a correria debiloide de Fernandinho, Marlos (belo gol, mas raro nele) e Dagoberto, este último um cara que é a antítese do jogador e Homem Rivaldo.  

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