quinta-feira, janeiro 12, 2012

Marcos - O herói mais real

Mesmo goleiro campeão do mundo com a seleção (2002) e campeão de quase tudo com o Palmeiras que se tornou maior graças aos seus milagres; e mesmo sendo um ídolo até dos torcedores rivais - fato raríssimo, talvez até inédito no futebol paulista (*) - Marcos foi humilde até o fim. Diferente de outros ídolos, que têm essa condição quase que exclusivamente dentro do campo, e pouco fora - na vida, nas atitudes que denunciam o tipo de caráter que carregam – Marcos mostrou sua imensa humildade até em sua coletiva de despedida. A humildade rara de quem sempre admitiu suas falhas. De quem jamais se julgou perfeito ou “o cara”.
Perguntado sobre qual a sua maior tristeza no futebol, ele não se escondeu: “A tristeza foi o Mundial (contra o Manchester). Cacei borboleta e deixei o torcedor triste.”
Que outro ídolo admitiria e lembraria de uma falha no momento em que todos só querem reverenciá-lo e homenageá-lo?
A humildade (desculpem a repetição, mas não há um sinônimo para essa palavra em Marcos, pensei em modéstia, mas penso ser um sentimento sem a mesma força e verdade do que representa o goleiro de todos nós) que descobri ser ainda maior ao ler hoje outra das que Marcos aprontou. Deu no JT de hoje: “Às vésperas da Copa do Mundo de 2002, Marcos chamou Felipão para uma conversa reservada e fez um pedido: “Não me coloque como titular. O Rogério Ceni e o Dida estão voando, e eu estou sendo cornetado por todo mundo. É melhor você escolher um dos dois para ser o seu camisa 1.” O treinador não deu bola para ele, e o final da história todos sabem: a Seleção conquistou o quinto título mundial com atuações importantíssimas do palmeirense, sobretudo nas oitavas de final contra a Bélgica e na decisão diante da Alemanha.”
Quantos ídolos pensaram em ceder seu posto de titular para um companheiro que julgaram em fase melhor? Pensar é pouco, Marcão pediu para ir para o banco ao seu treinador!
A atitude de Marcos pouco antes da Copa de 2002 revela outro lado raro num jogador de futebol. O falar o que pensa. O não ser cordeirinho amestrado de empresários que controlam carreiras e só pensam em obter lucros. Mais um depoimento que veio na coletiva de ontem: “Eu dava boas entrevistas. E que davam problemas pra mim, mas sempre dormi tranquilo. É difícil mudar a personalidade de uma pessoa. Hoje sempre tem alguém que diz o que você deve falar, vestir… Jogador um pouco mais antigo tinha personalidade pra falar. Hoje tem marketing daqui, manager dali. É por isso que estou aqui hoje e tenho respeito de todos. Me identifiquei muito pela torcida por ela reconhecer o torcedor que estava em campo. Muitas vezes falei muita bobagem, devia ter ficado quieto, mas sempre falei o que o coração mandava.”
Coração. Quantos ídolos tiveram ou têm o coração de Marcos? Num universo boleiro em que não se pensa duas vezes na hora de deixar um clube só porque o outro ofereceu um pouco mais, Marcos é, ao lado de Rogério Ceni, ainda mais raro, pois sempre exalou uma expressão e sentimento praticamente extinto hoje, “amor à camisa”. Toda promessa ou nova estrelinha do futebol brasileiro deveria prestar atenção no que o goleiro disse sobre isso: “Sempre tentei focar que eu gosto daqui, que ganho bem, mas que dinheiro não era a maior prioridade. Queria estar ao lado de quem eu gostava, criar uma raiz e me tornar ídolo aqui. Quem pula de time em time talvez ganhe mais, mas não será tão lembrado. Seria legal que mais jogadores pensassem assim, que dinheiro nem sempre é tudo. Não sei quando me tornei diferente. Achei injusto sair do time quando caiu para a Série B. Resolvi ficar e, sem querer, foi uma das melhores coisas que fiz na vida.”
Falo em Marcos como goleiro, e não ex-goleiro, porque o Brasil não pode perder esta liderança e exemplo tão belos e essenciais. Sim, ele não estará mais nos gramados, não disparará verdades pelos microfones a cada derrota, mas esperamos que o santo mais humano não desapareça do futebol. Do futebol que elevou à vida. Vida decente, bonita, exemplar, farta em bons exemplos para as crianças, jovens e todos nós.
Parou o maior de todos, dentro e fora dos campos. O que foi sempre o mais sincero e decente, e por isso o mais humano. No mundo boleiro, e não só, com tanta pose e intrigas, ele sempre foi o mais simples, transparente e direto possível. Não há ninguém com a sua estatura moral em ação no futebol brasileiro. Por isso o futebol brasileiro sem Marcos ficará ainda mais feio.
Insubstituível é pouco. Deixou os gramados o mais real dos heróis. Torçamos para que ele não deixe a sociedade atuante. Que o Palmeiras ou outras instituições deem a oportunidade para São Marcos semear nos jovens os nobres valores e defesas maravilhosas, de bolas e sentimentos, que espalhou pelos campos do mundo todo.

(*) Pelé foi um ídolo de todas as torcidas, mas o foi só como jogador, não como homem. Talvez Sócrates tenha sido admirado por todas as cores, mas penso que amado mesmo, só o Marcão. 

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