segunda-feira, fevereiro 25, 2013

Assassinato não é fatalidade



Meu primeiro contato com a violência das torcidas organizadas aconteceu quando ainda era um menino de 9 anos, e é a única lembrança nítida que tenho dos meus 9 anos. Era a final do Campeonato Paulista de 1978, São Paulo e Santos. Se não me engano meu time tinha vencido e forçado uma outra partida (o Santos seria campeão). Na velha Brasília de meu pai, estávamos empacados no trânsito de fim de jogo para ir embora. Não lembro qual o símbolo do São Paulo havia no carro, se um decalque (era assim que chamávamos os adesivos) ou alguém dentro com a camisa do clube. Só sei e lembro bem que um animal da Torcida Jovem santista, uma das mais temidas da época, acendeu um rojão há uns dois metros da janela do nosso carro e mirou para dentro. Podia ser o fim de algum de nós ou um ferimento gravíssimo mas por obra divina ou não sei se por desespero e amor à família de meu pai, meu velho conseguiu acelerar e o morteiro que nos atingiria em cheio passou raspando pelo carro, e não sei se atingiu alguém na rua.

Isso tem uns 35 anos, e hoje, tanto tempo depois me lembrou o sinalizador. Só que os fogos aumentaram seu poder dentro do estádio na mesma proporção da estupidez crescente das organizadas, ao adotarem um sinalizador de navio (???!!!). E, sim, a Gaviões da Fiel tem culpa porque o sinistro morteiro que matou o menino Kevin era também portado por outros membros da torcida.


Talvez o sinalizador tenha sido jogado na torcida boliviana por acidente, por alguém que não sabia manejá-lo, mas isso não configura a indecente alegação de “fatalidade” usada pelos dirigentes corinthianos e, que decepção, por Paulo André, um raro caso de boleiro com boa formação intelectual. 

Fatalidade, segundo o dicionário, é “destino inevitável”. Só que o destino do menino Kevin não era morrer num estádio de futebol, na primeira vez que saía de sua cidade, Cochabamba, para ir a Oruro. O que acabou com sua vida foi a estupidez de torcedores da Gaviões que carregam um morteiro desse quilate para dentro de um estádio. “Ah, mas não podemos culpar a torcida e o time pelo infeliz que disparou a arma (sim, aquilo dentro de um estádio só pode ser considerado uma arma)”. Podemos, sim, porque não era só o assassino que portava um sinalizador na Gaviões em Oruro. E o assassino só estava ali dentro porque a diretoria do Corinthians financia, como faz a maioria das diretorias dos grandes clubes brasileiros, a viagem e entrada de seus torcedores. Ou alguém é ingênuo ao ponto de acreditar que que aqueles torcedores viajaram com suas economias?


A indecente Conmebol, que há décadas permite a barbárie na Libertadores, não tem moral nenhuma para punir o Corinthians, mas fez o seu papel, finalmente, ao proibir a torcida nos próximos jogos do clube. Tirar mando de jogo ou dar multinhas não adiantaria nada. Pena que seu presidente não tenha a dignidade de aceitar a punição e ainda venha com a bravata, e falta de respeito, de falar em “fatalidade”.


Aos que já estão me xingando antes de ler todo o texto, e aos ignorantes das redes sociais que são contra a punição ao Corinthians apenas por serem corinthianos, afirmo que outros clubes deveriam ter sido punidos, e de forma mais rigorosa que apenas proibir a torcida no campo. São Paulo e Palmeiras, por exemplo, deveriam ter sido banidos da Copa de Juniores por anos depois da famosa batalha do Pacaembu anos e anos atrás. E os bandidos das organizadas desses clubes, e seus respectivos clubes de dirigentes coniventes, deveriam ter sido punidos severamente em inúmeros outros episódios violentos. Não foram.


Enquanto os clubes não forem punidos severamente os animais das organizadas seguirão praticando crimes dentro e fora dos estádios. E enquanto os marginais não forem fichados e proibidos de ir a um estádio pelo resto da vida, a violência prosseguirá.



Abaixo, reproduzo parte do brilhante texto do jornalista André Barcinski sobre a nojenta relação dos clubes com as facções de marginais disfarçadas de torcidas organizadas.

“...Vamos deixar uma coisa bem clara: não falo só do Corinthians, mas de TODOS os clubes brasileiros que têm relações promíscuas com as organizadas: eles precisam, de uma vez, cortar qualquer ligação com as torcidas.


Os torcedores de verdade – não os profissionais da arquibancada – deveriam exigir que seus clubes rompessem imediatamente com essas facções.


Além disso, os clubes tinham a obrigação moral de responder a algumas perguntas: eles dão ingressos para as organizadas? Dão dinheiro? Existem membros de organizadas trabalhando nos clubes? Quantos torcedores profissionais são sustentados pelo clube?


Sobre a punição ao Corinthians, achei justa. Infelizmente, nossos dirigentes têm os bolsos mais sensíveis que as consciências.


Espero que, além de presos os responsáveis pelo sinalizador, se apurem as responsabilidade de dirigentes e do próprio clube também, para que todos os clubes – TODOS – aprendam que apoiar organizadas pode ser bom negócio a curto prazo, mas tem seu preço no fim.


E enquanto alguns reclamam de não poder ver seu time no estádio e o Corinthians vergonhosamente tenta chantagear a Conmebol, ameaçando tirar o time da Libertadores, a família de Kevin Espada enterra o menino.”
 

PS – O silêncio da FIFA e CBF, sempre um mal exemplo de jogo sujo e cumplicidade com os mais fortes, a gente entende, mas onde está o governo brasileiro no episódio? A presidenta deveria se posicionar com firmeza, como fez Margaret Thatcher quando os clubes ingleses foram expulsos das ligas europeias após a tragédia de Heysel, cometida pelos torcedores do Liverpool. Thatcher, reagindo à articulação dos clubes que queriam recorrer da punição, ordenou que calassem a boca e acatassem a decisão imposta pela UEFA. Dilma deveria pressionar Mario Gobbi. Será que não faz isso pela paixão e interesses de Lula com o Corinthians? Só não me venham botar a culpa na presidenta, lembremos que Lula e Fernando Henrique também não coibiram a violência. Ela está pecando é por omissão.


PS 2 – Arrumaram um “di menor” para livrar a cara dos animais armados?

PS 3 - Sim, a polícia boliviana falhou ao permitir a entrada dos sinalziadores, e o clube boliviano foi justamente punido também, mas de forma menos severa, porque a culpa maior é de quem levou armas ao estádio. Sim, armas.

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