quarta-feira, abril 03, 2013

Exílio de mar, saudade de viver



Ando desesperado por janelas. Nos cafés e padarias, nas salas da escola, no escritório montado na casa dos velhos que dá para o quintal, na janela da sala do apê que dá para as árvores. As janelas são minha linha do horizonte aqui nesta cidade sem mar. Aqui nesta vida sem mar há mais de seis meses, graças ao problema na coluna e à incompetência de médicos, reumatologistas, fisiatras e fisioterapeutas (sim, passe i por todos e por diversos tratamentos).

As janelas são minhas viagens para os olhos tentarem enxergar e sentir mais longe. São a curta mas essencial liberdade aqui na cidade que substituiu o horizonte por paredes de concreto.

O concreto que machuca e até mata o espírito, pois as maiores belezas da vida são abstratas. Abstratas como o horizonte que visualizamos na praia: na verdade ele não existe fisicamente,  mas existe em nosso coração e mente que se alarga ao observá-lo.
Por isso a cidade sem mar machuca por nos aprisionar nesses limites duros, cinzas, concretos.

Além da morte do horizonte, a cidade matou também a terra. O solo natural que também foi entupido do concreto cimento ou asfalto. Matou até o tato de nossos pés, presos em sapatos e tênis, e impedidos de namorar nus o chão em que pisamos. Por isso a saudade é grande também do tapete mais belo e gostoso, a areia da praia.

A areia fria, a areia fofa, a areia molhada, a areia viva, as areias escaldantes. A areia que é o chão que gosta de contar histórias nas nossas pegadas. Essa areia que descansa o corpo e a alma e ainda é parte essencial dessa imensa tela de liberdade chamada praiamar.

Praia e mar. Para amar mais a vida.

A areia que é parte essencial do gostoso e sagrado ritual do surfista que chega na praia. É ali que chegamos depois de estacionarmos o carro que se livrou da cidade e da estrada. É dali que lançamos nosso olhar ávido por mar, ondas e viagens surfísticas paredes marinhas afora compartilhadas com aqueles que, mais que irmãos, são brothers. É ali, de pé olhando com a mesma fé inversa à do marinheiro buscando terra enquanto navega; ou sentado, alongando e rezando antes de termos a graça e permissão de entrar no grande templo oceânico; é ali que sonhamos em estar lá dentro.

Lá dentro, na casa mais bela, no lar mar; lá onde amar a vida alcança uma de suas intensidades máximas; lá onde o clichê do “aproveitar cada instante” torna-se tão real e possível. Basta uma session. Até menos: basta uma onda que estamos preenchidos como o fiel que recebe a graça das graças, como o morto que renasce, como o homem urbano massacrado, ferido, que tem todas as suas dores e problemas curados em uma única onda.

E há outros elementos poderosos, alimentos vitais, que também fazem falta demais. Há o vento e a brisa. Há a maresia, esse caso de amor entre o vento e o mar, essa sinfonia do vento a nos trazer os cheiro e sabor do mar. Há o sal, essa partícula tão benéfica quanto viva, mágica e sentimental pois é da mesma família do suor e das lágrimas. Há esse sal que penetra nossa pele e ossos lavando tudo junto das águas oceânicas.

Há a imensidão da cena praiana e marinha que nos faz sonhar apenas por estarmos ali e de olhos abertos.

E há, meu Deus, as ondas.

As ondas. Mas dessas já falei demais em muitos textos. Um breve resumo? As ondas são o produto final do poderoso ciclo praiano-marinho. São a síntese, a catarse, a explosão final de energias que vão se somando e amalgamando até surgir a maior brincadeira e viagem que a natureza um dia inventou para oferecer a nós, os homens e mulheres que se apaixonaram a  vida máxima que é andar sobre as águas amparados, impulsionados, abraçados por elas.

As águas. As ondas. As muitas vidas que podemos viver em uma única onda sem fim.

* Basta. No dia do trabalho estarei na antítese da labuta e cidade sem mar que nos consome. Nem que a coluna permita apenas alguns jacarés, estarei lá dentro. Pois jacarés também são frutos delas. Elas, as mais belas sereias. As ondas que são vidas e fazem de surfistas viajantes e senhores do tempo. Que outro ser consegue mudar as concepções e durações do tempo como o homem que sente que segundos surfados são horas, dias e até vidas?
** A foto que ilustra esse post é de Taghazout


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