Ando
desesperado por janelas. Nos cafés e padarias, nas salas da escola, no
escritório montado na casa dos velhos que dá para o quintal, na janela da sala
do apê que dá para as árvores. As janelas são minha linha do horizonte aqui
nesta cidade sem mar. Aqui nesta vida sem mar há mais de seis meses, graças ao
problema na coluna e à incompetência de médicos, reumatologistas, fisiatras e
fisioterapeutas (sim, passe i por todos e por diversos tratamentos).
As janelas são
minhas viagens para os olhos tentarem enxergar e sentir mais longe. São a curta
mas essencial liberdade aqui na cidade que substituiu o horizonte por paredes
de concreto.
O concreto que
machuca e até mata o espírito, pois as maiores belezas da vida são abstratas.
Abstratas como o horizonte que visualizamos na praia: na verdade ele não existe
fisicamente, mas existe em nosso coração
e mente que se alarga ao observá-lo.
Por isso a
cidade sem mar machuca por nos aprisionar nesses limites duros, cinzas,
concretos.
Além da morte
do horizonte, a cidade matou também a terra. O solo natural que também foi
entupido do concreto cimento ou asfalto. Matou até o tato de nossos pés, presos
em sapatos e tênis, e impedidos de namorar nus o chão em que pisamos. Por isso
a saudade é grande também do tapete mais belo e gostoso, a areia da praia.
A areia fria, a
areia fofa, a areia molhada, a areia viva, as areias escaldantes. A areia que é
o chão que gosta de contar histórias nas nossas pegadas. Essa areia que
descansa o corpo e a alma e ainda é parte essencial dessa imensa tela de
liberdade chamada praiamar.
Praia e mar. Para
amar mais a vida.
A areia que é
parte essencial do gostoso e sagrado ritual do surfista que chega na praia. É
ali que chegamos depois de estacionarmos o carro que se livrou da cidade e da
estrada. É dali que lançamos nosso olhar ávido por mar, ondas e viagens
surfísticas paredes marinhas afora compartilhadas com aqueles que, mais que
irmãos, são brothers. É ali, de pé olhando com a mesma fé inversa à do
marinheiro buscando terra enquanto navega; ou sentado, alongando e rezando
antes de termos a graça e permissão de entrar no grande templo oceânico; é ali
que sonhamos em estar lá dentro.
Lá dentro, na
casa mais bela, no lar mar; lá onde amar a vida alcança uma de suas
intensidades máximas; lá onde o clichê do “aproveitar cada instante” torna-se
tão real e possível. Basta uma session. Até menos: basta uma onda que estamos
preenchidos como o fiel que recebe a graça das graças, como o morto que
renasce, como o homem urbano massacrado, ferido, que tem todas as suas dores e problemas
curados em uma única onda.
E há outros
elementos poderosos, alimentos vitais, que também fazem falta demais. Há o
vento e a brisa. Há a maresia, esse caso de amor entre o vento e o mar, essa sinfonia
do vento a nos trazer os cheiro e sabor do mar. Há o sal, essa partícula tão
benéfica quanto viva, mágica e sentimental pois é da mesma família do suor e
das lágrimas. Há esse sal que penetra nossa pele e ossos lavando tudo junto das
águas oceânicas.
Há a imensidão
da cena praiana e marinha que nos faz sonhar apenas por estarmos ali e de olhos
abertos.
E há, meu Deus,
as ondas.
As ondas. Mas
dessas já falei demais em muitos textos. Um breve resumo? As ondas são o
produto final do poderoso ciclo praiano-marinho. São a síntese, a catarse, a
explosão final de energias que vão se somando e amalgamando até surgir a maior brincadeira
e viagem que a natureza um dia inventou para oferecer a nós, os homens e
mulheres que se apaixonaram a vida máxima
que é andar sobre as águas amparados, impulsionados, abraçados por elas.
As águas. As
ondas. As muitas vidas que podemos viver em uma única onda sem fim.
* Basta. No dia
do trabalho estarei na antítese da labuta e cidade sem mar que nos consome. Nem
que a coluna permita apenas alguns jacarés, estarei lá dentro. Pois jacarés
também são frutos delas. Elas, as mais
belas sereias. As ondas que são vidas e fazem de surfistas viajantes e senhores
do tempo. Que outro ser consegue mudar as concepções e durações do tempo como o
homem que sente que segundos surfados são horas, dias e até vidas?
** A foto que ilustra esse post é de Taghazout
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